Continuando a análise dos 12 Trabalhos de Hércules, somos chegados ao quarto que apresenta uma estória dentro da história. Hera, esposa de Euristeu, encaminhou Hércules para um primeiro episódio de onde este deveria sair enfraquecido para cumprir o Trabalho imposto por Euristeu de capturar com vida o Javali de Erimanto.
Este Trabalho segue a lógica dos anteriores, a perspectiva mitológica, a descrição do Trabalho e a simbologia que lhe está associada tendo este Trabalho uma dupla lição e sendo que será visto sob uma perspectiva astrológica estando associado aos signos de Áries e de Libra. Esta é uma abordagem feita por muitos dos historiadores dos 12 Trabalhos de Hércules mas que se torna mais evidente neste 4.º Trabalho.
Perspectiva mitológica:
Hércules e seus companheiros lá iam em direcção a Arcádia. Nesta zona da Grécia ficava o Monte Erimanto, que vinha sendo assolado por um gigantesco javali. Cada vez que o monstro descia para os vales era para fazer estragos horrorosos. Daí o pavor dos seus moradores e o pedido de socorro que endereçaram ao Rei Euristeu: “Majestade, haja por bem dar jeito nesta fera, pois do contrário estamos perdidos.” E com esperança de que Hércules perdesse a luta, Euristeu mandou-o combater o feroz javali.
A Arcádia era a região mais atrasada de toda a Grécia, por ser muito montanhosa e por isso mesmo pouco povoada. A indústria não ia além da pastoril. Sempre que um poeta grego fazia um poema bucólico, era na Arcádia que colocava a cena. Se outro precisava de um pastor, ia buscá-lo na Arcádia, E com o passar do tempo a Arcádia ficou para o resto da Grécia como o símbolo do bucolismo, da vida simples e rústica. Até hoje a palavra Arcádia lembra pastores tocando flauta para os carneiros ouvirem e pastoras de cestinhas no braço atrás das margaridas do campo.
Desta vez, Hera aconselhou Euristeu a mandar Hércules trazer o Javali de Erimanto vivo e contou-lhe sobre os perigos que o herói encontraria pelo caminho. O rei mesquinho esfregou as mãos de satisfação.
Descrição do Trabalho:
Sobre o Javali de Erimanto:
O javali era um animal feroz que sempre descia a montanha arruinando as plantações, aterrorizando e destruindo tudo que encontrava pelo seu caminho. Tinha esse nome porque viveu na famosa Erimanto, uma montanha de Arcádia. Ele era um monstro antropófago, podia causar abalos sísmicos e, com suas presas, era capaz de arrancar pela raiz uma árvore corpulenta e dilacerar homens ou animais que se interpusessem no seu caminho.
Primeira parte – O encontro com Folos (a armadilha de Hera):
Quando Hércules recebeu as novas ordens, logo ficou desconfiado. Ele sabia bem como se proteger. O problema era descobrir um modo de agarrar o animal vivo. Ainda remoendo o porquê daquele trabalho, o herói partiu para Erimanto. Ao fim de alguns dias, chegou ao sopé da montanha. Era noite, ele tinha parado numa fonte para beber água e descansar, quando ouviu algo se aproximando. Por estar escuro, ele pensou que se tratava de um cavaleiro. No entanto, quanto este estava próximo, Hércules percebeu que não era um homem sobre um cavalo, mas sim um centauro – meio homem, meio cavalo. Seu nome era Folos.
Quando viu Hércules, Folos aproximou-se trotando, saudou o herói amistosamente e perguntou o que o mesmo fazia ali, naquele lugar selvagem. Hércules explicou porque estava ali. O centauro, contente em conhecer o herói, convidou-o para ir à sua caverna cear e descansar um pouco.
Chegaram à caverna e Folos mostrou-se um bom anfitrião. Acomodou Hércules e serviu-lhe uma boa refeição. O problema é que ele não ofereceu nada para o herói beber. Folos logo tratou de explicar que os centauros possuíam o mais fino vinho do mundo, e que não o ofereciam nem aos deuses. Porém, Folos decidiu abrir uma excepção e serviu dois copos de vinho: uma para si e outra para o herói. O vinho tinha um aroma adocicado único.
Enquanto bebiam, Hera fez com que uma leve brisa soprasse, e os vapores fortes flutuaram para fora da caverna chegando às narinas dos outros centauros. “Estão a roubar o nosso vinho”, todos disseram em uníssono e disparam para a caverna a galope. Folos ouviu o tropel dos irmãos se aproximando e entrou em desespero. Folos e Hércules saíram a correr da caverna. Contudo os centauros já estavam lá e, ao verem um homem do lado de fora, ficaram ainda mais furiosos. Imediatamente se armaram com tudo que estava a seu alcance, alguns com pedras enormes, outros com troncos inteiros de ciprestes, arrancados na hora. Então, avançaram para a caverna e Hércules viu-se em perigo de morte.
Só um centauro, o sábio Quíron, tentou detê-los, mas foi em vão. Um instante depois, eles começaram a arremessar grandes pedras, mas devido à distância, elas não atingiram o herói. Hércules puxou o seu arco e começou a atirar com força e precisão. Cada flecha derrubava um centauro como se fosse um raio. Quíron gritou para que parassem, mas ninguém ouviu, e um após outro, foram caindo mortos. Quando os últimos sobreviventes viram o resultado inacreditável da rápida batalha, deram meia volta e se espalharam por todas as direcções.
Por fim, alguns refugiaram-se em Maleia, enquanto outros, como o centauro Nesso, se fixaram na região do rio Eveno.
Embora todos os centauros ferozes tivessem sido mortos ou tivessem conseguido fugir do Monte Erimanto, Hércules não estava feliz com a batalha, antes sentia um grande pesar. Uma das flechas do herói trespassara o braço de um centauro e atingira o velho Quíron no pé. De entre todos os centauros, apenas Quíron era imortal; por isso o veneno da Hidra abriu-lhe uma ferida tão horrível, cuja dor era tão insuportável e que jamais seria curada.
Como se isso não fosse suficiente, o centauro Folos, intrigado, pegou numa das pequenas flechas para tentar entender como elas mataram os seus irmãos com tanta facilidade. Hércules gritou desesperado para que Folos largasse a flecha, e este quando o fez, sofreu um arranhão na perna e caiu morto. Com grande pesar, o herói enterrou seu amigo centauro. Depois deixou aquele lugar funesto e, com o coração partido, seguiu seu caminho para o alto do Erimanto, em busca do javali selvagem. Agora ele compreendia por que Euristeu o tinha enviado para aquele lugar.
Segunda parte – O Javali de Erimanto:
Depois de muito procurar, Hércules finalmente encontrou o rastro do animal. Era muito fácil matá-lo; o problema era trazê-lo vivo. O herói perseguiu o javali durante muitos dias e noites. Inúmeras vezes, perdeu o animal, esgotou-se procurando-o e saiu de novo em seu encalço, tudo sem proveito algum.
Por fim, Hércules sentou-se e pensou. Força e velocidade nem sempre eram a resposta; a esperteza tornava-se necessária. Subiu uma pedra alta, e dali o herói examinou toda a área e percebeu que os picos da montanha estavam cobertos de neve. A sua tarefa agora era conduzir o animal até lá. Assim, recomeçou a perseguir o javali, forçando-o a subir. Sempre que o animal tentava mudar de direcção, Hércules atirava umas pedras para o seu caminho. Finalmente, forçou o javali a entrar numa cavidade cheia de neve. As pernas pequenas e flexíveis do animal, enterradas na massa branca e foca, não puderam mais levá-lo adiante. O seu pesado corpo afundou na neve até ao peito e ali ficou imerso, incapaz de se mover.
Assim, finalmente, Hércules caçou o javali, amarrou as suas pernas juntas, colocou-o sobre os ombros de modo que o animal não o ferisse e levou-o para Micenas.
Com passos largos, Hércules passou pelos guardas nos portões do palácio e, por acaso, entrou directo até Euristeu. Quando os olhos do rei viram o herói com o javali selvagem aos ombros, ele deu um grito e suas pernas estremeceram. Então, desenrolou-se uma cena que se tornou o tema favorito dos antigos pintores de vasos da Grécia: aterrorizado, o poderoso rei de Micenas deu um salto e atirou-se para dentro de um grande vaso de barro. Como se nada de estranho tivesse acontecido, Hércules continuou a andar até que ele se curvou sobre a borda da cânfora, para que Euristeu pudesse ver o javali bem de perto, tão perto que o focinho do animal, com seus dentes afiados, quase tocou no rosto do rei mesquinho. Com medo, suou frio e tremeu. Se Euristeu tivesse avistado Hades, não teria ficado tão amedrontado.
Simbologia:
A dupla lição deste Trabalho prende-se com a prova da amizade rara e da coragem destemida. Este trabalho está associado ao signo de Libra e Áries, onde a aprendizagem consiste na capacidade de manter o equilíbrio perante as adversidades (Libra), sendo capaz de manter as necessidades básicas atendidas (Áries).
Libra é o primeiro signo que não tem um símbolo humano ou animal, mas a sustentar a balança, está a figura da Justiça – uma mulher com os olhos vendados. Ele apresenta-se com muitos paradoxos e extremos, dependendo de se o discípulo que se voltou conscientemente para o caminho de volta ao Criador segue o zodíaco segundo os ponteiros do relógio, ou no caminho inverso. Diz-se que é um interlúdio, comparável com a silenciosa escuta na meditação; um tempo de cobranças do passado.
Aqui percebemos como o equilíbrio dos pares de opostos deve ser atingido. A balança pode oscilar do preconceito até à injustiça ou julgamento; da dura estupidez à sabedoria entusiástica. Neste majestoso signo de equilíbrio e justiça nós verificamos que a prova termina numa explosão de riso, o único Trabalho em que isso acontece.
Hércules conviveu, riu e cantou com os amigos, sendo que socializar é uma característica de Libra, e em vez de seguir a recomendação, de abrir o barril para o grupo, abriu-o para celebrar com um único centauro, procurando aqui um espelho, uma identificação com o outro. E embora estivesse determinado a não matar, o seu impulso, primeiro, de Áries, foi mais forte.
No entanto, Hércules conseguiu também entregar o javali ainda com vida e já domesticado, demonstrando que era possível domesticar o animal, devido à sua dedicação e delicadeza no trato, atributo natural de Libra.
O Javali, perverso como poucos, é o símbolo vivo de todas as baixas paixões animais, a luxúria mais grosseira e devassa. Portanto, temos aí o contraste entre o denso e o subtil.
Mesmo após haver eliminado os defeitos do Mundo Astral Inferior e do Mundo Mental Inferior (as duas primeiras façanhas de Hércules), as “causas” desses defeitos continuam a existir. Essas causas são eliminadas durante os processos do terceiro e quarto Trabalhos de Hércules: a captura da Corça Cerínia e do Javali de Erimanto.
Se todos os defeitos têm origem sexual (não importa se os defeitos são refinados ou toscos), as maiores provas do Terceiro e Quarto Trabalhos consistem em resistir às tentações da carne, cujo drama foi ricamente descrito pelo patriarca gnóstico Santo Agostinho: “Imenso é o número de delitos cujos gérmenes causais devem ser eliminados nos infernos de Vénus.”
Assim, de nada adianta eliminarmos os medos da Mente se não tratarmos as imperfeições do Corpo. Ao longo destes Trabalhos, se soubermos tirar as lições subliminares e tivermos grandeza de espírito para as reportar para nós próprios, ser-nos-á mais fácil encarar os nossos defeitos e as nossas falhas, percebermos a nossa fragilidade enquanto Seres Humanos e permitir-mo-nos crescer e evoluir para um estágio superior que não nos retira a nossa Essência mas antes a amplifica tornando-nos pessoas mais completas e com mais Conhecimento para continuarmos nesta Estrada que é a Vida.
Luisa Vaz
(A autora não utiliza o Acordo Ortográfico)