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Eutanásia ou homicídio consentido

1. É preciso sublinhar que a eutanásia é legal em apenas 3 países da União Europeia: Holanda, Bélgica e Luxemburgo. Na Alemanha (onde o termo «eutanásia» é evitado, porque está associado às práticas eugénicas nazis), apenas é permitido o suicídio assistido (Beihilfe zum Suizid), que permite que o médico prescreva a droga letal, mas proíbe que alguém ajude o suicida a tomá-la, incluindo a segurar-lhe a mão. E, ao contrário do que acontece em Portugal, existe nestes países uma rede alargada, e de qualidade, de cuidados paliativos, de cuidados continuados e de equipamentos sociais de apoio à terceira idade.

2. «Morte assistida» é um eufemismo para eutanásia. Todos nós já temos direito à morte assistida, ou seja, de sermos acompanhados, tratados e acarinhados até ao último momento, por médicos e outros profissionais nos hospitais, ou pelas nossas famílias em casa. Falar de morte assistida como sinónimo de eutanásia é uma fraude, uma incomensurável hipocrisia. Eutanásia é morte provocada a outra pessoa, portanto, homicídio consentido, legal! «Suicídio assistido» é outro eufemismo para eutanásia. A pessoa que se suicida mata-se intencionalmente a si mesma. Ninguém proíbe ninguém de se suicidar. A eutanásia legitima, confere cobertura legal a algumas pessoas para matar outras. O que está em causa é dar cobertura legal a «profissionais de saúde», em instituições públicas ou privadas, para matar outro ser humano. O que está em causa é dar cobertura legal ao negócio da morte.

3. Não confundir eutanásia com distanásia (também designada por «encarniçamento terapêutico») ou com ortotanásia. Eutanásia consiste em matar uma pessoa a seu pedido, de maneira controlada e assistida. A distanásia consiste no prolongamento exagerado e artificial do tempo de vida de um doente terminal. Ortotanásia significa «boa morte», ou seja, a morte pelo seu processo natural. A boa prática clínica é avessa à distanásia e consentânea com a ortotanásia.

4. Os defensores da liberalização da eutanásia sustentam a ideia de que há doenças que tiram dignidade às pessoas. A questão da alegada morte indigna ou da pretensa doença indigna é simplesmente incompreensível! Como se a morte natural fosse indigna! Como se uma pessoa física ou mentalmente doente perdesse a dignidade! Muito pelo contrário: a pessoa doente ganha uma dignidade redobrada que nos deveria convocar a todos no sentido de lhe garantir conforto, carinho e cuidados médicos adequados, incluindo paliativos. Será que, por exemplo, o famoso cientista Stephen Hawking ou um qualquer doente com Alzheimer perderam a sua dignidade devido às doenças de que padecem? Será que há, de facto, mortes ou doenças degradantes? Se lutamos contra todo o género de discriminação, não deveríamos rejeitar veementemente qualquer forma de discriminação de doenças ou da pessoa doente. A doença não pode nunca ser considerada um estigma, algo de indigno ou degradante! Cabe-nos a nós todos lutar para que as pessoas doentes nunca se sintam degradadas, indignas ou um fardo para ninguém! Já se imaginou a pressão (essa, sim, profundamente indigna e degradante) que uma lei destas irá colocar sobre pessoas idosas que sintam que estão a ser um fardo para a sua família?

5. Outro argumento reiteradamente usado pelos defensores da liberalização da eutanásia é a liberdade de opção. Que opção é que têm os pacientes em fase terminal ou portadores de doença incurável quando ainda nem sequer existe em Portugal uma rede de cuidados paliativos, uma rede de cuidados continuados ou uma rede de equipamento sociais condigna de apoio à terceira idade?

6. Como tem sido reiteradamente sublinhado por especialistas nesta área, é possível aliviar o sofrimento e controlar os sintomas e a dor provocada por certas doenças, incluindo terminais. Como saber ao certo se uma pessoa que pede para ser eutanasiada não está naquele momento deprimida ou não é portadora de qualquer outra patologia do foro psiquiátrico? Em vez de andarmos a discutir encarniçadamente um alegado direito à eutanásia, não deveríamos antes exigir veementemente o direito ao acesso a cuidados de saúde, a cuidados paliativos e a cuidados continuados para todos?

7. Como é possível que haja quem defenda que uma questão desta índole, tão sensível e tão fracturante, possa ser aprovada apenas por meia dúzia de deputados na Assembleia da República, rejeitando levianamente o recurso a um referendo nacional? Sublinhe-se que nenhum dos partidos que integram a chamada «geringonça» mencionava sequer a eutanásia no programa com que se apresentou ao eleitorado. Que autoridade política, moral ou ética é que têm os deputados para virem agora, traiçoeiramente, aprovar a eutanásia? Será legítimo fazer engenharia social à força, à revelia do povo, cujo voto foi válido para os eleger, mas que é tomado como estúpido para se pronunciar sobre esta matéria em referendo?

8. As leis não são feitas em função do caso A ou B! As leis são faróis para a sociedade! Se se liberalizar a eutanásia, a mensagem que se está a dar implicitamente às pessoas é que «tanto faz», que a vida é algo de facilmente descartável! O que está em causa é a escolha entre uma cultura de morte e uma cultura de vida! Por que razão é que a lei nos obriga (não nos dá a opção) a usar um capacete quando andamos de mota ou a usar cinto de segurança quando andamos de carro? Precisamente porque o Direito considera que a Vida é um bem maior que tem de ser preservado! A Vida é um valor intemporal que não deveria nunca ser posto em causa por leis temporais, condicionadas por ideologias epocais.

9. A liberalização da eutanásia corresponde, iniludivelmente, a um enorme retrocesso civilizacional no sentido da desumanização da nossa sociedade. Deveríamos recusar abrir esta caixa de Pandora. Basta ler os muitos estudos disponíveis na internet sobre a banalização da eutanásia (para não falar do negócio da morte a ela associado) nos países em que esta prática países foi legalizada. Só na da Holanda, por exemplo, entre 2009 e 2015 houve um aumento de 50% do número de eutanásias praticadas num ano; em 2015 foram praticadas 5516 eutanásias, o que dá uma média de 15 eutanásias por dia.

10. Quem nos garante, por exemplo, que muitos doentes ou pessoas idosas não se sintam «empurradas» para a eutanásia por familiares sem escrúpulos? Quem nos garante que o Estado não possa vir a restringir o acesso a tratamentos onerosos a doentes com mais de 80 anos? Quem nos garante que o médico com quem nos depararmos irá, de facto, ser fiel ao intemporal Juramento de Hipócrates que faz com que lhe confiemos cegamente a nossa vida? Quem nos garante que os médicos querem, ou aceitam, esse direito e o poder que lhes pretendem dar?

11. Não há, nem deve existir nunca, o direito de matar «a pedido», nem o direito de ser morto. O princípio, um bem absoluto, que estrutura e suporta qualquer viver comunitário civilizado é «não mates ninguém»!

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