Em Outubro de 2013, numa Segunda-feira, 23, ao programa «Prós e Contras» da RTP1, o deputado do partido CDS, João Almeida, a certa altura, extasiado pelo momento acalorado da discussão, afirmou solene e peremptoriamente (mais ou menos isto) : «Se os partidos dissessem a verdade em campanha eleitoral, afirmando que cortariam salários e pensões, ou que iriam aumentar os impostos, perderiam qualquer eleição. São os eleitores que nos obrigam a mentir!»…
Custa-me aceitar este estado da arte política em Portugal. Custa-me aceitar, mas é um facto indesmentível. A história político-partidária mais recente (para não cansar) é rica em episódios de «erros de percepção mútua».
No calor do momento presente do «mentiu, omitiu, induziu em erro» – cujo resumo encontra neste neologismo político o seu êxtase – que não larga a sombra do Ministro Centeno, vejo os partidos da esquerda, que sustentam o actual executivo, outrora tão reivindicativos, agora demasiadamente sossegados, e, do outro lado, os partidos da oposição, outrora tão acomodados com a expressão, agora demasiadamente indignados, até com ameaças de demissão da presidência da comissão de inquérito…como se Centeno fosse o único a ter cometido «erros de percepção mútua».
Assim de repente, voltando-me para a actual oposição, recordaria alguns episódios – poucos, porque o texto quer-se curto – envolvendo, por exemplo, Pedro Passos Coelho, «que fez as contas e está em condições de garantir que não será preciso cortar salários nem fazer despedimentos para consolidar as finanças públicas portuguesas». Ou Paulo Portas que prometendo não cortar pensões ou aumentar impostos, acabou, ora por aplicar cortes de dupla natureza nas pensões dos nossos reformados (portugueses manifestamente mais vulneráveis pelo facto de não terem as hipóteses dos mais jovens para agarrarem novas oportunidades de vida), com cortes sobre a pensão de sobrevivência aos quais somou uma contribuição extraordinária de solidariedade (CES), ora por aumentar impostos, empurrando, naquele passa-culpismo tipíco da classe política que teimamos em querer ter, o ónus para as decisões jurídicas de tutela dos direitos fundamentais de todos nós – inatacáveis – proferidas pelo Tribunal Constitucional.
Desenganem-se os que acreditam que só este PSD, ou aquele CDS, e respectivos líderes e seguidores, mente. Vejamos o caso do PS. Por exemplo, António Costa, na altura líder da oposição, afirmava que «teria muito gosto em devolver a sobretaxa em 2016». Todos sabemos que esta afirmação é, apenas, um «erro de percepção mútua», pois já com António Costa como Primeiro-ministro, nem a sobretaxa foi integralmente devolvida em 2016, nem tampouco acabou em 2017. A jura de fidelidade aos partidos que sustentam o actual executivo, também poderá, incluir-se neste neologismo actual, pois, em Outubro de 2015, o PS jurara (ao PCP e BE) 4 anos sem cortar salários nem subir IRS. Cof, cof. Mais ainda, como temos vindo a conhecer este ano de 2017, os bolsos ficaram mais apertados, mesmo com a (alegada) devolução de rendimentos, fazendo regressar os rendimentos disponíveis a valores anteriores a 2010.
Infelizmente, de facto, João Almeida – incrível! – tem razão. E não tem. Tem razão quando concede que o cidadão eleitor goste de se enamorar por «erros de percepção mútua». E os exemplos aduzidos, apenas confirmam esta tendência. Infeliz, insisto, mas é a tendência eleitoral que queremos continuar a considerar.
Não tem razão, quando afirma que são os eleitores que os obrigam a mentir. Não! Os políticos é que, na posse de muita da informação não disponível para um eleitor comum, insistem no dourar a pílula, mentindo, omitindo, escamoteando, a verdade, por forma a garantirem a sua eleição. Não são os eleitores que obrigam a mentir, são os políticos que se servem da ignorância para garantirem a sua eleição (contrariando a lógica inicial de João Almeida).
Terminaria com duas interjeições.
1) Alertado por um amigo, encontrei na lei, a expressão jurídica certa para este tipo de erro de percepção mútua, tão useiro pela classe política – que teimamos em eleger para nos representar. Com efeito, no DL n.º 47344/66, de 25 de Novembro, actualizado pela Lei n.º 150/2015, de 10/09, que vulgarmente consideramos por Código Civil, encontramos no seu SUBTÍTULO III – Dos factos jurídicos – CAPÍTULO I – Negócio jurídico – SECÇÃO I – Declaração negocial – SUBSECÇÃO V – Falta e vícios da vontade –
Artigo 245.º (Declarações não sérias)
1. A declaração não séria, feita na expectativa de que a falta de seriedade não seja desconhecida, carece de qualquer efeito.
Delicioso. A classe política que temos vindo a eleger usa deste expediente quotidianamente. Já deram conta, certo?
Resta saber até quando. Mas, como as maiorias de apoio aplaudem, presumo que o “até quando”, teimará em persistir por largo período de tempo.
2) Voltando ao neologismo político do «erro de percepção mútua». E porque é sobre Mário Centeno que ele incide hoje, provando-se a mentira, vale, como condição atenuante suficiente desta, o facto de ele ter conseguido apresentar o défice mais baixo desde que aderimos ao euro?
Uma coisa é certa. Há uma constância do erro de percepção mútua, cuja nossa classe política tem insistido em praticar. Infelizmente, a leviandade com que o ignoramos, deveria suscitar-nos as maiores insónias. Até quando…