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“Foi você que pediu, não foi?” Um TTIP para a mesa do canto, por favor.

TTIP

Quis a minha capacidade volitiva, humana, que hoje me detivesse um pouco perante o, famigerado, acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, ou, TTIP (no seu acrónimo anglo-saxónico).

Impulsionado por todo este histerismo mediático, paradoxalmente, o processo do referendo britânico, #Brexit (processo este que se antevê moroso, já que nenhum político britânico quererá ficar com o ónus histórico de efectivar os mecanismos pressupostos no art.º 50 do Tratado de Lisboa), concedeu o input extra necessário para que toda a gincana política, entre os eurocratas e a Administração Obama, conhecesse desenvolvimentos significativos na passada segunda-feira, 27/6/2016. Salientaríamos, a certa altura, o facto de o próprio embaixador europeu nos EUA, David O’Sullivan, ter relativizado o ulterior impacto desse #Brexit, ao assertivamente afirmar ao Foreign Policy que «as negociações com os EUA vão continuar». Com ou sem Reino Unido no seio da União Europeia.

Mas, nem será tanto sobre avanços e recuos políticos o tema de hoje. Foquemos o essencial: o TTIP e algumas implicações derivadas deste mega-tratado sobre os direitos digitais dos cidadãos europeus, i.e., algumas questões directamente implicadas com a protecção da privacidade de dados e de uma identidade digital online.

Acompanhando uma rotação acelerada – uma globalização 2.0 – fruto de uma crescente digitalização da economia mundial, toda esta enorme world wide data base assume riscos e oportunidades que deverão ser atentamente prescrutadas por todos os Estados.

É precisamente sobre este ponto que procuraremos discernir um pouco.

Assim, sumariamente, o que poderemos apresentar?

1) Neste conspecto, traríamos, primeiramente, à colação, o Acordo Comercial Anti-Cópia Ilegal – cuja versão anglo-saxónica corresponderá ao The Anti-Counterfeiting Trade Agreement (ACTA).

A 4 de Julho de 2012, este Tratado foi amplamente rejeitado por uma larga maioria no Parlamento Europeu. A falta de Consent por parte deste órgão aniquilou-o. Motivação? O acordo, proposto apresentava-se enfermado de várias anomalias. Transvestido para «resolver o problema da infracção aos direitos de propriedade intelectual, incluindo as infracções que ocorrem no ambiente digital», furando os cânones tradicionais do direito, além de se apresentar demasiado vago e, por conseguinte, susceptível a demasiados e variados erros de interpretação, punha em cheque liberdades tradicionais europeias, consagradas, na nossa Carta Europeia dos direitos fundamentais. A imagem democrática do Parlamento europeu vencera esta batalha. Mas não a Guerra. que sucedeu entretanto? Bem, essa motivação de 2012, mitigada pelo acto eleitoral de 2014 para esse órgão, esvaneceu-se com o tempo. No presente, e com um novo quadro parlamentar em exercício de funções, a sua não-consagração de há 4 anos, tem vindo a ameaçar corporizar-se no TTIP.

Demos conta deste facto? Aguardemos;

2) Noutro campo, Quanto a questões de segurança(ciber) das comunicações e das tecnologias da informação, as intenções europeias (e por sinal, a nossa prática) têm batalhado por princípios orientadores comuns, fomentando a utilização de standards globais, da certificação de produtos TIC, bem como de um incentivo adicional à segurança das comunicações e das informações, com um especial enfoque criptográfico. Ora, principalmente depois do caso Snowden et al, a visão americana quanto à codificação, transmissão, e, descodificação de comunicações e informações tem evoluído em sentido contrário àquele que a UE pretende(rá) salvaguardar. Possível conflito?;

3) Aparentemente, o TTIP irá certificar-se de que a legislação da UE relativa à protecção de dados prevalece sobre quaisquer compromissosA lógica subjacente vem afirmando que «Os quadros normativos da UE e dos EUA prevêem, em várias áreas, níveis de proteção igualmente elevados e eventualmente compatíveis. Noutros casos, iremos conservar os nossos níveis de proteção diferentes.». Assinala-se esta declaração como politicamente aceitável, mas, estando as grandes organizações tecnológicas mundiais sedeadas na Califórnia, e, portanto, arbitralmente submetidas ao foro do Tribunal da Califórnia, sem um verdadeiro International Internet Court como se efectivam os direitos digitais das pessoas com pesos diferentes de cada lado do Atlântico? Mais, a introdução das arbitragens de conflitos entre investidores e os estados (os ISDS – Investor-State Dispute Settlements), enquanto mecanismos de direito internacional público, têm vindo a possibilitar que organizações privadas intentem acções contra governos, democráticos, se e quando as políticas desses governos levarem ao entendimento pelos primeiros de que foram de alguma forma expropriados, discriminados ou tratados injustamente. Como se harmonizam todos estes interesses difusos em conflito??;

4) Por fim, partiríamos do Acórdão Schrems, no processo C-362/04, no qual o TJUE considerou inválida a Decisão 2000/520/ CE da Comissão Europeia, de 26 de julho de 2000 (aka. «Safe Harbor»). O fundamento corporizou-se na violação de direitos fundamentais no tratamento de dados pessoais realizado pelos EUA, quer no esvaziamento dos poderes das entidades de controlo nacionais que a decisão promovia, inibindo-as de investigar.

Admitindo que esta pergunta se encontre até, pelo menos parcialmente, truncada na questão anterior, a assinatura recente por parte do Presidente Obama do Judicial Redress Act,«(…)will pave the way for the signature of the EU-U.S. Data Protection Umbrella Agreement(…)», prometeSe estas premissas se concretizarem, de facto e de jure, sublinhando o premente fenómeno do industry and economy digitization em que pé se nos revelará o, novel, EU-U.S. Privacy Shield? À margem do TTIP? Paralelamente? No mesmo ou em sentido oposto?

Muitas questões gravitam, ainda, no ar e com parcas respostas. Para o cidadão-médio comum, muito disto vai sucedendo sem que ele tenha um conhecimento mínimo adequado e efectivo. O alheamento generalizado quanto a muito do que acontece na Pólis, em nada beneficia uma atitude mais pro-activa, uma cidadania mais participativa e inclusiva. E com tudo isto, ante o desconhecido, assim como no #Brexit, o populismo acabará por traçar a «escolha» de cada um. E essa «escolha», não cabalmente esclarecida, apresenta uma factura demasiado condicionante.

O TTIP, infelizmente, vem-se desenhando em moldes muito análogos aos do #Brexit; marginalizado quer nos momentos eleitorais soberanos e democráticos, quer nos holofotes mediáticos. Pois bem, as escolhas democráticas («Quais?») tomadas hoje, acabarão por condicionar uma imensidão de eventos futuros. Quem acabará por pagar tal legado? Tal factura?

Bem, foi você que pediu, não foi?

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