Estávamos no início da década de noventa, e em pleno Governo liderado pelo Professor Aníbal Cavaco e Silva, quando uma investigação jornalística de Helena Sanches Osório, do jornal Independente, cujo diretor era o Dr. Paulo Portas, atribui uma alegada fuga ao fisco, do então ministro das Finanças, por causa de uma vírgula. Na altura foi criada uma grave crise governativa. Aliás o referido jornal era a grande preocupação do Governo de então, descobrindo ou colocando a nu muitas situações que em nada abonavam os membros daquele Governo.
Mais de três décadas volvidas, e eis que não é uma vírgula, mas um parágrafo que provoca a demissão de um primeiro-ministro e consequentemente a queda de um governo, que a partir do dia de hoje entra em gestão. Tal parágrafo tem exatamente cinco linhas e cinquenta e duas palavras.
Aparentemente uma vírgula e um parágrafo tiveram a mesma sequência, em termos de estragos governativos, só que um parágrafo causa mais danos, pois é uma parte do texto que pode ter um ou mais períodos, contém uma ideia completa, enquanto que uma vírgula (,) marca uma pausa de mais curta duração, que separa sintagmas ou unidades frásicas e prosódicas. “Há porém restrições de natureza convencional no uso da vírgula, que proíbem por exemplo a sua utilização entre constituintes imediatos (sujeito-verbo-complementos obrigatórios do verbo)”.
Por tudo isto, a consequência de um parágrafo é muito mais grave do que uma vírgula, e foi exatamente o que nos aconteceu a 7 de Novembro de 2023, por causa de um parágrafo demitiu-se um Primeiro-Ministro, temos atualmente um governo de gestão, temos eleições legislativas antecipadas, desaparece uma maioria absoluta na Assembleia da Republica e os portugueses veem-se a braços com uma crise governativa, associada a uma crise económica sem precedentes no Portugal democrático.
Se a tudo isto associarmos as consequências que a nível presidencial possam advir de um “simples” email, que cruzou o Oceano Atlântico, eis-nos à porta de uma crise constitucional, pois quaisquer implicações, a nível do cargo presidencial, que esse email possa provocar, terá de esperar pela eleição de uma Assembleia da República, que surja após o ato eleitoral de 10 de Março de 2024, pois que só o Presidente da Assembleia da República (depois de aprovado pela Assembleia) pode requer ao Tribunal Constitucional a verificação da perda do cargo de Presidente da República, no caso previsto no artigo 130.º da Constituição.
Por tudo isto, todos temos de estar preparados para cenários ímpares na democracia portuguesa, como o aparecimento de uma terceira grande força partidária no espectro político nacional, pois os portugueses começam a ficar cansados de todas estas vírgulas, parágrafos e emails, provocados pelos partidos ou personagens, oriundos, dos dois partidos do arco de poder.
É ALTURA DE DIZER CHEGA.
Castelo de Paiva, 8 de Dezembro de 2023
Paulo Ramalheira Teixeira