Abrimos os jornais de hoje, vemos a televisão, ouvimos a rádio e toda a gente fala em Terrorismo, combate ao Terrorismo Internacional, ao Terrorismo Doméstico, etc., mas aquilo que vai sucessivamente acontecendo na Europa não é terrorismo: é homicídio em larga escala, é banditismo. Não há causa política nenhuma nestes massacres. Há pura e simplesmente homicídio, massacre injustificado de dezenas de pessoas. E é como homicidas (bandidos da pior espécie) que os autores e mentores destes atos devem ser tratados, independentemente da sua origem, religião, etc.
A Europa deixou de saber responder aos seus cidadãos e àqueles que a procuram. Não está organizada, não cuida do emprego dos seus jovens, cede perante a finança internacional e não cuida das pessoas, aparentemente abandonou, ou secundarizou, os princípios básicos que eram a cola da União Europeia, em nome de teorias predadoras que colocam o dinheiro em primeiro lugar e não a paz, o bem-estar dos cidadãos, os seus sonhos e anseios, a sua liberdade, a cultura, a democracia e o futuro. Nada interessa, nada move as instituições europeias, que não regras financeiras que, apesar de importantes, são só os meios e não o essencial. Perdeu-se totalmente a noção do essencial e a razão porque fizemos a construção europeia.
Só assim se entende que a Europa não tenha um serviço de informação comum, que seja gerido de forma autónoma e independente. Só assim se entende que cada Estado tenha a sua polícia e o seu sistema de informação que não cooperam e trocam informação. Só assim se percebe que a Europa não se entenda relativamente à obrigação moral, cívica e humanitária de acolher refugiados, mas não verifique exaustivamente quem são aqueles que acolhemos, de onde vêm e qual é o seu historial. Só assim se entende que na Europa se permita que certos grupos de bandidos se movimentem, radicalizem jovens e se tornem células de morte que matam indiscriminadamente pessoas, em nome de causas que não têm, de religiões que não entendem, de deuses que inventam e de pretensos problemas que não são seus. São bandidos que matam dezenas de pessoas. Devem ser tratados como bandidos. O que temos pela frente é banditismo disfarçado de terrorismo, que encontrou na Europa terreno fértil para se desenvolver.
Do que estamos a falar na Europa é de um problema global de ausência de resposta aos problemas que nos afetam como espaço comum, de desrespeito pelas pessoas, pelas suas vidas e pelos seus sonhos, que nos deixou vulneráveis a fenómenos de radicalização de vária ordem – não só religiosos. Essa radicalização encontrou terreno fértil também na desorganização em termos de segurança. Não porque temos as fronteiras abertas, ou porque permitimos a circulação de pessoas e bens, mas porque não cuidamos de verificar, com eficácia e determinação, quem circula, como circula, quem entre na Europa, quem é e de onde vem, onde está, em que trabalha, com quem se relaciona, etc. Não cuidar da segurança, por via de um sistema de informação global é dar o flanco aos que aproveitam as nossas fragilidades sociais e políticas para se introduzir na Europa, radicalizar jovens descontentes, perdidos e sem perspetivas, e provocar todo o tipo de atentados à liberdade e à vida dos outros.
Deixamos entrar na Europa pessoas que nunca deveriam cá chegar. Deixamos que tenham acesso a armas. Deixamos que radicalizem jovens. Deixamos que vivam de forma isolada, refugiados em crenças e religiões e, ao abrigo de um pretenso respeito pela sua forma de vida, ignoramos a suas ações, deixamos andar, deixamos que desrespeitem a nossa liberdade, permitimos os guetos em que vivem e fechamos os olhos aos sinais de evidente radicalismo. Chegam-nos notícias de abusos de todo o tipo e nada dizemos ou fazemos. Um dia, há um evento estranho, algo que nos alerta, como os abusos sobre mulheres, a violência sobre mulheres e jovens, e ficamos alarmados. Mas mesmo assim, desleixamos, é lá entre eles, continuamos na nossa vida. Pessoas que deveriam ser presas, expulsas da Europa, porque justamente não respeitam os outros, os nossos valores, são libertadas sobre fiança. E continuamos na nossa vida, preocupados com o Euro, com a dívida dos países do sul, em aumentar impostos para fazer esses malandros pagarem, em desviar as atenções dos nossos verdadeiros objetivos como projeto comum. Até que morrem muitos num atentado suicida qualquer. Somos todos Charlie, por uns dias. E acontece de novo. E somos todos de Paris. E acontece de novo. E somos todos Tintin. Depois passa. Fica esquecido de novo, no meio do populismo, da incapacidade de decidir, dos discursos vazios, inflamados e desta forma de vida que cavalga a espuma dos dias. Mas a verdade é que estamos aos poucos a destruir a Europa com que todos sonhamos. E não será, como muitos dizem, a vitória de alguém. Para isso teria de existir alguma causa nisto tudo. Não há. Há banditismo que não é combatido, e muito desleixo da Europa para com o projeto de paz que tem sido incapaz de construir. Ou seja, há uma enorme falha de todos nós.
Querem resolver este problema? Não inventem! Preocupem-se com a Construção Europeia, que precisa de ser refundada. Cuidem do desenvolvimento harmonioso de todos os países europeus: um espaço comum não pode ter as gigantescas diferenças de rendimento que existem na Europa. Coloquem, de novo, em 1º lugar as pessoas, as suas vidas e o seu futuro. Cuidem da segurança e sejam consequentes com a ideia de Europa, espaço comum de paz, de economia partilhada, de cultura, de liberdade e de democracia. E não sejam hipócritas. Respeitem a liberdade dos outros, as suas crenças e formas de vida. Mas digam com clareza: na Europa respeita-se a opinião de toda a gente e cada um percebe que a sua liberdade termina onde começa a liberdade do outro. Quer viver aqui? Quer entrar na Europa? Quer partilhar connosco este espaço? É bem-vindo, mas tem de perceber que as nossas regras são essas, isto é, respeito total pelos outros e pela sua liberdade, pelo que tem de estar disposto a fazer concessões para não impor a ninguém o seu modo de vida. Se não está disposto, se quer trazer para a Europa e impor o seu modo de vida, a sua religião, o seu Deus, as suas crenças, então, desculpe, tem todo o direito de viver como pensa, mas não é bem-vindo.
J. Norberto Pires