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E POR TERRAS DA BIRMÂNIA RECENDE-SE O PERFUME DA DEMOCRACIA…

Foi esta semana anunciada a eleição de Htin Kyaw para o cargo de Presidente de Myanmar, que crescemos a conhecer por Birmânia. Retalhado por interesses hegemónicos desde há séculos, é desde 1948 um país independente. Porém, longe de poder ser considerado livre e democrático. É considerado um dos países mais corruptos do mundo, onde 50 milhões de pessoas vivem em condições lastimosas e, para um ocidental, imagináveis, apesar das significantes fontes de riquezas naturais, vastamente referidas na “Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto.

Habituámo-nos a situar aquele país na lista dos acantoados, dos que por serem tão longe, pouco ou nada nos dizem, à exceção de um ou outro sentimento que os apelativos roteiros turísticos exaltam. Mas bastará recuar 400 anos na história de Portugal, para que o desenho assuma outros contornos.

Corre sangue português, nas veias de birmaneses. Naquela “terra totalmente diferente de qualquer outra”, como se referia Kipling, em Letters from the East, em 1898, a “Burma”, existiram três aventureiros portugueses, feitos Reis por aquelas terras distantes. O primeiro foi Salvador Ribeiro de Sousa, vimaranense, militar, que por ser considerado, pelos gentios, invencível, foi aclamado Rei de Massinga do Pegu. Seguiu-se-lhe Filipe de Brito e Nicote, lisboeta, o Rei Nga Zingar da antiga Sirião, por volta de 1600. Por último, Sebastião Gonçalves Tibau, tojalense, pirata flibusteiro que se autoproclamou Rei de Sandwip, ilha ao largo do atual Bangladesh, onde fundou uma república de piratas.

Da descendência daquela gente lusa, restam hoje, com traços genéticos fincados, os Bayingyi – meio milhão de católicos, num país predominantemente budista. Sobrevivem no vale do rio Mu, resistindo apegados a uma memória ténue, sustentada obstinadamente através de vestígios da língua, indumentária e práticas gastronómicas.

Exposta aquela que, infelizmente, é hoje pouco mais que uma curiosidade histórica, aportemos pelos nossos dias.

Htin Kyaw, economista de formação, homem de confiança de Aung San Suu Kyi, prestou juramento prometendo ser fiel a esse “tesouro de um país”, como defendia Buda – o povo. Na verdade, substitui apenas a Nobel da Paz no exercício de um cargo que é naturalmente dela, face à vitória eleitoral de Novembro passado, mas que se lhe encontra vedado, considerando disposições constitucionais que proíbem um Chefe de Estado com filhos estrangeiros.

Inicia-se uma nova era, pautada pelo perfume da democracia, que viveu arredada do país, no último meio século. Ainda temos presente, aquela que ficou conhecida como a Revolta do Açafrão, a insurreição de monges que em 2007 desafiaram a Junta Militar no governo, mobilizando o protesto do Mundo, em torno da violenta repressão política do país.

O apoio europeu, ao processo democrático em curso, deu sinal em 2012, quando as sanções económicas reforçadas em 2007 e em 2009 (depois da ordem de prisão domiciliária de Suu Kyi) foram suspensas, num país que foi considerado o “tigre” económico da região, para os interesses de política externa, da União Europeia.

Seja o que for que o futuro reserve à Birmânia, bem como a outros Estados totalitários que se recusam a aceitar o respeito pela dignidade, liberdade e identidade de um Povo, independentemente do tipo de regime político adotado, certo é que neste caso, foi da tenacidade e inteligência de uma Mulher, que a História relatará, que se puderam dar os primeiros passos, pela defesa daqueles Valores fundamentais.

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