Estas minhas insónias, que me deixam desesperado à procura da boa moeda, remetem-me inevitavelmente para a música do Sérgio Godinho: “o acesso bloqueado”. Ainda assim, e inspirado na minha aprendizagem do 11M, procurei identificar um conjunto de factores de cuja conjugação pudesse resultar a força “desbloqueadora” que permitisse o regresso da boa moeda. Eis alguns desses factores que poderiam garantir esta tão desejada mudança:
Uma causa transversal – Não se rompe com o passado sem uma causa transversal que possa unir os portugueses, da direita à esquerda, que esteja isenta de pecados ideológicos e de proximidades clubísticas. Diria que a corrupção e os vícios do nosso sistema político são uma boa causa. Alguns pensarão, contudo, que Paulo Morais já seguiu esse caminho, obviamente sem sucesso. É verdade, mas Paulo Morais apenas cumpriu o primeiro destes requisitos, como poderemos verificar de imediato…
Uma ideia mobilizadora para Portugal – Ninguém se propõe actuar ou comprometer-se no presente se não tiver uma ideia, um propósito, uma visão, um projecto mobilizador que valha a pena seguir, pelo qual valha a pena lutar. Um país virado para o mar… para a excelência turística… para a força mobilizadora dos seus factores endógenos… para a qualidade distintiva da sua força de trabalho…. Enfim, a ausência de um caminho que nos conduza a um porto seguro nunca mobilizará as pessoas, nunca as comprometerá com um esforço, com um sacrifício, sem que se saiba onde eles nos levarão. Passos Coelho, no seu primeiro ano, chegou a beneficiar da indulgência dos portugueses, mas nunca foi capaz de lhes mostrar esse porto seguro e de conseguir essa tão desejada mobilização.
Uma liderança – O desejo de mudança, o apego a uma causa transversal, o comprometimento com uma ideia mobilizadora, não acontecem sem que se afirme uma liderança forte, inspiradora, visionária, capaz de envolver um povo à volta de um propósito e de uma causa. Na verdade, os governos têm hoje uma muito limitada capacidade de influência sobre a economia. A maior parte dos instrumentos de política económica estão efectivamente nas mãos das instâncias europeias. Todavia, a capacidade mobilizadora própria de uma liderança tem sido pouco explorada quer pela ausência de verdadeiros líderes quer, a meu ver, por pura ignorância e amadorismo. Exemplos do passado como Churchill ou Mandela mostram como grandes líderes conduziram os seus povos a grandes feitos. Nós temos estado condenados a que o fraco rei (a má moeda) faça fraca a forte gente (e expulse a boa moeda).
Penso que a conjugação destes 3 factores daria um impulso claro a este desejo de mudança, a este desejo do regresso dos grandes actores à política. Todavia, parece-me que ainda que estes sejam os 3 elementos core da mudança, sem uma conjuntura particularmente propicia, sem aquele melting pot que os faça entrar em acção, terão, mesmo assim, muita dificuldade em se conjugar e ter sucesso.
Na verdade, o 11M poderá ter sido esse melting pot, essa conjuntura propicia, que beneficiou de uma imprensa favorável mas que, por ausência de causa, de ideia mobilizadora e, sobretudo, de liderança, se esfumou e se frustrou. Penso que poderemos estar próximos de um novo melting pot e corremos o risco de por falta de preparação e de antecipação, vermos de novo frustrados este meu e penso que nosso desejo de mudança, de ter a boa moeda de regresso aos palcos da grande política. Pior ainda seria que, a acontecer, em vez da boa moeda… regressássemos à “troca directa” como está a acontecer com a ascensão da extrema direita em França, Hungria e Polónia, ou da esquerda radical em Espanha ou na Grécia.