Blogue Insónias

Por uma responsabilidade de todos e de qualquer um

A dia 17 de Maio, comemora-se o Dia mundial da internet e o Dia mundial das telecomunicações e da sociedade da informação (DMTSI). Esta data foi decretada, no dia 19 de Janeiro de 2006, pela Organização das Nações Unidas – ONU.

Registada a efeméride, começo este breve excurso, salientando a condição de “animal social” que vive dentro de cada homem. Indubitavelmente, na senda do pensamento de Aristóteles, o homem é um ser carente que necessita de outros seus semelhantes e de coisas para alcançar a sua plenitude.

As relações humanas, desde sempre, assentam num princípio basilar – a Confiança. Esta, enquanto mãe de todos os relacionamentos, precisa de ser cultivada. De forma impressiva, própria, apontaria o seu desejável cultivo para uma cultura de partilha, de interacção, de reciprocidade com o próximo, o qual – até por se tratar de um processo multi-feixe de «dar-e-receber» – deveria erigir-se, desde que assente na bona fides dos seus actores, nas premissas de uma desejável cultura do exemplo. Quebrando-se a essencialidade da confiança. as consequências, na perspectiva apontada nessa relação, redundam, genericamente, na sua fragmentação e ulterior extinção. Logo, esta projecta-se numa responsabilidade de todos e de cada um.

Por que não é tanto uma visão romantizada da sociedade que nos move hoje, mas antes a efeméride assinalada, constatamos, desde logo, que a sociedade vive cada vez mais dependente da tecnologia e cada vez mais arrebatada por esta. Num intrincado mundo novo, em que abundam ligações e interligações; partilha instantânea de conhecimento e inteligência artificial; no deambular entre uma web semântica e uma internet das coisas, vai emergindo a revolução industrial 4.0. Todo este sentido evolutivo desenvolve-se a uma velocidade hiper, onde a internet e, por conseguinte, o ciberespaço, acaba por se propôr como um novo plano da acção.

Assumindo a internet, na sua acepção lata de rede, como o corolário de software, hardware e manware, neste seu característico ecossistema, o processo de emissão, transmissão e conservação da informação – lato sensu – está pressuposto, também ele, nesse valor fundamental humano – a Confiança. Notaríamos, de relance, que, para que esta dinâmica evolutiva não seja condicionada – e não obste à realização do próprio homem – a fruição aberta, livre e segura da internet assumir-se-á como variável sacramental neste esquema maior do mundo das coisas.

Afloram-se-nos questões – muitas, mas que não abordaremos necessariamente aqui – que reclamam uma devida reflexão por parte quer das instituições políticas e democráticas quer do cidadão-médio-comum. Por exemplo, ab initio, salientaríamos que embora as preocupações com a cibersegurança tenham vindo a crescer, em nosso entendimento, esse crescimento não terá sido o suficiente para mitigar o desfasamento temporal entre a velocidade da evolução tecnológica e o, digamos, tempo da sociedade. Suficientemente mediáticos – pelos menos os que chegam ao conhecimento do grande público – uns quantos casos de ciberataque têm conseguido surpreender até os estados ditos economicamente mais fortes e, pelo menos num plano teórico, melhor preparados para enfrentarem esta realidade digital. Se complementados por uma dificuldade legislativa e coercitiva, tradicionais, por parte do Estado – dada, por exemplo, a transnacionalidade dos actores e meios, a abolição de fronteiras, a computação em linha, … – e por uma, mais que aparente, dificuldade técnica em ultrapassar a tensão na partilha de informação entre operadores privados e o sector público, deparamo-nos ante uma lacuna, difícil de preencher, difícil de proclamar o sentido da confiança que pretendemos alcançar. Mas, será que a responsabilidade por uma fruição aberta, livre e segura da internet poderá somente ser imputada ao Estado? Não será antes uma responsabilidade geral, de todos e de qualquer um?

Chegados aqui, e a este propósito, chamamos à colação o conceito de Confidence building measures (CBM). Na ausência presente da possibilidade de instituição de um verdadeiro Tratado global que nos possa responder de forma satisfatória, as premissas derivadas do relatório «Confidence Building Measures for Cyberspace» (disponível, por exemplo em https://ccdcoe.org/publications/CBMs.pdf) procuram encontrar soluções práticas, transparentes, de cooperação, estáveis, para o aumento e cultivo da confiança por parte de todos os utilizadores no uso da rede. Naturalmente, toda esta conceptualização formal precisará de ser materializada no plano prático. O que, em tempos correntes de alguma supremacia do analfabetismo digital, exigirá um impulso inicial mais forte por parte do Estado. Por exemplo, será exigível, assumindo o nosso caso em particular e focando o nosso tecido empresarial – essencialmente composto por PME’s (teoricamente, susceptíveis de não objectivarem a cibersegurança como condição essencial para a continuidade do negócio) – ao CNCiber o desenvolvimento de «Manuais de boas práticas», a disponibilizar para as organizações/empresas? E para o cidadão-comum? Como medida de combate ao analfabetismo digital, será exigível ao executivo a introdução com carácter obrigatório de uma disciplina TIC na formação inicial das nossas crianças?

Recordo, aos mais distraídos, a razão de ser das perguntas. Os exemplos estando gastos, mantêm, ainda assim, actualidade. A repetição destes torna-se …exasperante. Observando o factor humano, este continua(rá) a distinguir-se nos mais variados problemas de cibersegurança reportados. I.e., por um lado todos conhecemos um «Administrador; chefe; colaborador; colega» que, p. ex., na consulta dos emails profissionais, através das mais variadas plataformas, tem por hábito não terminar a sessão; mais, e talvez pior, reconhecemos a realidade presente onde uma grande parte de nós não passa(rá) de um simples autodidacta, com todas as situações de risco que tais comportamentos poderão promover. Por outro lado, p. ex., na temática da reciclagem, também assentiremos que tem sido em grande parte através do ensino nas escolas às nossas crianças que estas têm instruído os adultos a separar para reutilizar, o lixo. Aliás, tem sido através dessa «cultura pelo exemplo», prática de muitas das nossas crianças, que a necessária consciência para protecção do ambiente tem despertado em muitos adultos. Logo, porque não um plano similar para despertar a consciência para o ambiente digital?

Se no primeiro momento, um «manual de boas práticas» poderá contribuir para mitigar consequências de hábitos de risco; no segundo momento, a educação, desde tenra idade, para uma cidadania digital, trará, para futuro, todo um manancial de vantagens a ela associadas. Ademais, se a educação seria (?), para alguns, um custo considerável, o analfabetismo é, para todos, um custo incomportável.

Nada é de facto assim tão novo. No fim de contas, e porque o homem já vive aqui há uns bons milhares de anos, apenas se exigirá que cada um dê um pouco mais de si em prol de todos. E porque o texto de hoje assinala a efeméride de ontem do dia mundial da internet e do dia mundial das telecomunicações e da sociedade da informação, terminaria, insistindo que, quer para podermos continuar a celebrar tais efemérides no futuro, quer para (tentarmos) alcançar a realização, última, de todos, só uma responsabilidade partilhada por todos e por cada um permitirá encurtar distâncias para as respostas satisfatórias que procuramos.

Gosto(7)Não Gosto(0)
Exit mobile version