Digam o que disserem é história.
Barack Obama fica na história, não por ter sido o primeiro presidente dos Estados Unidos a pisar “la tierra del comandante” em mais de oitenta anos, que isso foi um acaso da história.
O que importa nesta visita do Presidente a Cuba é o seu sorriso, e é por isso que é história, digam o que disserem.
Foi o que me saltou à vista quando olhava, em silêncio, o ecrã da televisão. no momento em que saiu da porta do Air Force One, chapéu de chuva na mão, naquele momento Obama escrevia história porque desceu as escadas do avião com aquele jeito quase comum, porque fez as apresentações e cumprimentou, pessoalmente, todos os que o esperavam ao fundo das escadas, nunca largando o chapéu de chuva.
Aqueles instantes fizeram lembrar a ida do homem à lua, pela primeira vez, se bem que eu não me lembro disso, mas já vi no Youtube, ou a visita de Dom Francisco ao Brasil, ou até mesmo a queda do Berlin Wall, tudo isto no sentido figurado, as Torres, na verdade todos estes acontecimentos nos prenderam ao ecrã, cada um deles com a sua intensidade e importância, cada um deles prendeu diferentes gerações à televisão, para que pudessem ver a história acontecer, foi assim com Carlos Lopes, em Los Angels dourados.
Por algum motivo a imagem, as imagens, também aqui dizem tudo.
Aposto que Obama pensava, enquanto apertava a mão de cada um dos que o aguardavam na placa do aeroporto, em correr para o hotel, trocar de roupa, sair para uma bodega e beber um rum caseiro, acender um puro e dançar ao som de Glória Estefan, perdoem-me os que não gostam.
Por outro lado, é claro que esta viagem tem objectivos políticos, mas por isso é que deixo os comentários para os supostamente entendidos.
Não tenho interesse em dissertar sobre o facto de esta visita também ser história porque é o aproximar, em definitivo, de duas intenções separadas por muitos anos, em que o tempo fez sentido para uns e não fez para outros.
Também sei quanto os Estados Unidos podem ganhar com este “cair do muro”, também sei quanto Cuba pode ganhar com esta ponte.
Essas coisas, esses assuntos, são delicados, afinal o embargo continua e os rastos de repressão também, lá e lá, em Cuba e nos estados Unidos, por isso estas análises escapam-me, por opção minha.
A minha abordagem é outra.
Vejamos assim;
Quando o Air Force One pisou terra cubana e Obama finalmente chegou, com ele veio uma tempestade.
Uma espécie de “casamento molhado, casamento abençoado”.
Obama foi passear nas ruas de Havana, debaixo de chuva tropical, seguramente que viajou para a sua terra, no Hawai, lá a chuva também é quente.
Não terá encontrado Guillermo Fariñas, o rosto mais visível e marcado da oposição ao regime em Cuba.
Ele não concorda com a visita de Obama à sua terra.
Argumenta o pensamento com base na ideia de que Obama foi eleito democraticamente, e Raúl Castro não.
Mas Guillermo Fariñas também argumenta que a opressão aumentou na ilha. A repressão política.
Não se terão encontrado nas ruas, como Obama não encontrou Fidel no palácio, sem explicação aparente, quer para um desencontro, quer para o outro.
Não poderá haver grandes dúvidas, porque Fariñas é psicólogo, jornalista, e sempre lutou contra o poder em Cuba. É acreditado pelo mundo, fala verdade. É respeitado. Se ele diz que há repressão eu acredito.
Mas, é nesta parte, com o devido respeito, que não concordo totalmente com o olhar pré-pensado – não me refiro a Fariñas, mas a uma corrente pública que também criticou a visita -, precisamente porque Obama conversou sobre a liberdade, as diferentes liberdades, a de expressão também, aquilo porque toda a vida lutou Guillermo Fariñas, e todos os seus camaradas.
Obama disse que, quer Cuba, quer os Estados Unidos podem aprender em matéria de direitos humanos um com o outro.
Raúl Castro concordou. Fidel Castro não se sabe.
Parece claro que assim é, mostra a história.
Não há inocentes. As razões de cada um, isso é outra conversa.
Não creio que Obama tenha abordado com Castro a detenção dos cerca de 60 opositores cubanos, na véspera da chegada, como não creio que Obama tenha falado com Castro sobre as Damas de Branco.
Penso que a conversa terá passado pela música, conhecendo Obama como conheço – não conheço, mas podia conhecer -, ele terá dito, com aquele sorriso de orelha a orelha, a Castro que gostava de dançar Caballo Viejo, cantado pelo Roberto Torres.
Assim em jeito de quebra-gelo.
Não terá andado longe disto.
Obama gosta da música cubana, vê-se isso no jeito dançante ao andar, no virar da cabeça, sincronizando os movimentos, a cabeça e o sorriso.
É por isso que vimos fotos que dão vontade de gravar na nuvem.
Obama a fumar o tal puro, Obama a beber uma Marguerita, Obama a segurar o chapéu de chuva (lembra-se de algum presidente que tenha segurado um chapéu de chuva por ter sido recebido por uma tempestade?).
Penso que Obama não falou das Damas de Branco a Castro, porque sabia que o governo cubano já tinha começado a libertar os activistas, precisamente no dia da sua chegada a Cuba.
Eu sei que Obama tinha esses dossiers na cabeça e no coração, mas não precisou de os abordar com Raúl, explicitamente.
Preferiu participar num programa de humor, na televisão cubana, um programa conduzido por um conhecido apresentador cubano, num sketch que critica a qualidade de vida em Cuba.
Claro que a qualidade de vida em Cuba poderá melhorar na exacta medida em que as exportações americanas aumentam, mas e daí?
Obama deixou implícitos, esses dossieres mudanos, aqueles que verdadeiramente importam, em tudo o que fez, desde logo aquele jeito de caminhar.
Creio que Obama tinha a cabeça dividida em duas partes, a política, a tal que eu não abordo, mas que reconheço a sua importância fundamental, e a emocional, a que me interessa.
Sou um homem dos sentimentos e dos detalhes e é isso que o(a) leitor(a) pode esperar de mim, aqui, enquanto tenho “Insónias”.
É que eu acredito que Obama gosta de dançar salsa, de beber rum e fumar puros (uma ou outra vez, vá), e depois à noite, no quarto, antes de dormir, deve dizer a Michelle:
– ” Sabes o que sinto neste momento?”.
– “Meu amor, estou cansada…”.
– “Não, querida, não é isso. (Risos)
Sinto-me o maior do mundo.”
– “Como assim, querido?”.
– ” Quando nasci em 1961…”.
– “Tu és quase da idade do Zé Gabriel Quaresma…”.
– “Quem é esse?”.
-” Esquece, adiante…”.
– “Dizia eu, no ano em que nasci o Dwight cortou relações com Cuba…”.
– “Sim, mas foi o Kennedy que decretou o embargo, no ano a seguir…”.
– “Por isso, Michelle, é por isso que me sinto o maior do mundo.
Sinto que sou eu quem acaba com um erro que começou no ano em que eu mesmo nasci. Queres melhor?”.
– “És o maior, amor…”.
– “Sou, admito!”
– “Só não percebo porque não vais ver o senhor Fidel”.
– “É melhor assim, Michelle, o senhor Fidel é outra coisa”.
– “Tens razão, a história é muito mais que a que os homens escrevem, mas isso não te tira valor”.
– “Pois não, mas é melhor assim.
O que eu queria mesmo era calçar os chinelos e ir contigo a pé ao centro da cidade, dançar e jantar marisco”.
– “Apaga a luz, se faz favor, e dorme bem”.
– “Sim, chefe, mas aceita o convite?”.
– “Se te portares bem”.
Obviamente que estas situações são imaginárias, mas podem muito bem ter acontecido, afinal tudo começou com um aperto de mão entre Raúl castro e Barack Obama, na África do Sul, durante as cerimónias fúnebres de Nelson Mandela.
É por isso que a visita tem mais importância no plano emocional.
Foi Mandela quem, na morte, uniu aquilo que os homens separaram, em vida.
Esse sim, um aperto de mão histórico.
Depois houve mais uns encontros entre ambos.
Portanto as conversas, desta vez, em Cuba, não devem ter andado muito ao largo de assuntos mundanos, a movida, a música, comida, leituras, e coisas assim.
Sobre Guantánamo outras ocasiões existiram para falar.
A visita é história por muitos motivos e cada qual escolhe o seu, mas há um motivo, um facto, que completa este texto, porque ele é o momento e é de tal forma história, que as palavras deixam a desejar.
Esse momento, que completa este texto, é uma imagem, a que ilustra este texto de opinião.
O Air Force One enquadrado com uma rua cubana, verdadeira, até os fios de electricidade são verdadeiros, até parece que cheiramos o jet que o Boeing deixa no ar à sua passagem, até parece que ouvimos e sentimos os motores a aproximarem-se das nossas cabeças e olhamos, acompanhando o movimento do avião, até sair de enquadramento, no lado esquerdo da foto.
É este instante que completa os caminhos que Obama fez em Cuba.
Mas tudo começou na terra de Mandela, com um aperto de mão.
Na morte, Mandela uni-os e esta semana eles voltaram a apertar a mão, fechando um ciclo da história.
Mandela deve estar feliz e isso já justifica este meu texto de estreia.
É que mesmo que pouco mude em Cuba e acredito que tudo mudará, foi Barack Obama o primeiro presidente dos americanos a ir à terra de Fidel.
Ainda é a terra de Fidel. Será sempre.
Aconteça o que acontecer Obama fez a sua parte, Raúl também.
Afinal, relembro, foi dito, numa das reuniões entre os dois presidentes, claramentes que Cuba e os Estados Unidos têm muito a aprender, sobre a liberdade e os direitos humanos, um com o outro.
Isso é o que fica quando o Air Force One regressar a Washington.
Só não se sabe a opinião del comandante Fidel.
Mas isso é outra Cuba!
Bem sei que provoca “Insónias”, mas Fidel é outra Cuba.