Blogue Insónias

O discurso da inconsequência

Após a segunda discussão com seu marido ela pegou suas malas e foi embora de casa. Ele ficou perplexo olhando as contas de água, energia, telefone. Queria apenas sentar e fazer com sua companheira o orçamento, planejar os gastos de casa. A mulher, contrariada, dizendo que não se sujeitaria a tamanha humilhação, fez as malas e partiu. “Papai nunca me fez passar por tamanha humilhação!”, esbravejou ela.

Outra história. Ele tem 30 anos. Fez direito. Após oito anos tenta arrumar um emprego e não consegue. Tentou duas vezes a prova da OAB mas não conseguiu passar. Pudera: esteve presente em seu curso em corpo físico, de alma estava há léguas dali, pensando apenas nas mordomias que o concurso público prometia. Carros importados, casa boa, regalia de levar o paletó para trabalhar e passar as tardes no clube. Santo concurso. Fez um, dois, quarenta, e nada! ” Mamãe bancava tudo. Virou um estudante, um concurseiro profissional, a “otária” da mamãe  custeia. Troca de cursinho para concurso, passa por todos na cidade. “Mamãe paga as contas”.

Um dos agentes democráticos da vida é a busca de nosso pote mágico de ouro, o gênio da lâmpada, o sapatinho de cristal, o gorro do Saci,a mega-sena acumulada, um malote de dinheiro perdido, algo que sacie nossos desejos sem esforço, a magia da felicidade. Todo mundo quer ser feliz, do bandido na penitenciária à madame com sua bolsa mágica de quarenta mil reais. é a base de pensamento dos políticos e dos funcionários públicos improdutivos.

Em um universo consumista a ilimitação é o item mais desejado por todos. Poder sem limites. Sonho estampado em cartão de crédito, atestado pelo Banco Central, com direito a comprar tudo e quase todos, sem esforços. Diariamente, na massificação da mídia, neste senso comum operário, o sonho tornou-se onipotência, o desejo intenso de crescer sem limites.

Começa na infância, nas mega-lojas de brinquedos infantis, escorrega para um videogame que dá a sensação de super-poderes, passa pela adolescência no virtual da tecnologia, terminando nos programas de auditório que fazem sonhar com o nada.

A educação dos dias de hoje acentua, em todos os aspectos, o sentimento de onipotência, megalomania, o estado eufórico, a ilimitação. Todavia, fazendo isso criamos quotidianamente nossos monstros modernos: assassinos em série, esquartejadores, assaltantes, dependentes químicos, preguiçosos, enfim toda uma série de indivíduos que, por não reconhecerem seus limites, quebram aspectos ligados a socialização primária que lhes garante o direito ao convívio saudável em sociedade.

Estamos criando pessoas hedônicas, egoístas, incapazes de lidar com a frustração, com os limites. Indivíduos que não semeiam nada, tampouco colhem alguma coisa. São inconseqüentes, embora busquem sua felicidade. Pessoas improdutivas que inclusive vão contra o sonho eldorado operário de produzir para ter dinheiro para o consumo.

Buscar o caminho de auto-realização, querer encontrar seu processo de individuação exige esforço, dedicação, persistência, obstinação, percepção da própria afetividade e a busca insaciável pelos dons naturais que todos nós temos.

Todavia, uma pessoa inconsequente desiste na primeira dificuldade que surgir por não ter em sua estrutura de personalidade a condição psíquica para lidar com a frustração. É o mesmo mecanismo que mobiliza um bandido antes de um assalto!

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