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Literacia em saúde e os ensaios clínicos

prof_antonio_araujo1Idiota, em ciência, denota um indivíduo com um QI igual ou inferior a 20, condição que o psiquiatra J. Ajuriaguerra comparava a pessoa com comportamentos equivalentes aos de uma criança com uma idade mental de dois anos.

Pois meus caros leitores, infelizmente vivemos num tempo em que elegemos um conjunto de “i…” para nos governarem. Pois que outra explicação haverá para que estes aprovem a retirada do IVA às terapias não convencionais (à actividade de bruxos, endireitas, quiropatas e de outras, todas acabadas em “patas”) e discutam actualmente aplicar este mesmo imposto às actividades de investigação clínica?

É certo que se nos ativermos ao significado literal da palavra IVA, imposto sobre o valor acrescentado, os “patas” e os bruxos realmente não produzem qualquer valor ao passo que a investigação científica produz conhecimento, que é em si e para toda a humanidade, um valor acrescentado. Os nossos governantes têm razão, isentem-se os “patas” e taxe-se a investigação clínica. Esta que é uma actividade fundamental para o desenvolvimento do conhecimento e da inovação, que contribui para a melhoria da saúde nas populações e do desempenho dos profissionais e das unidades de saúde, gerando cuidados mais eficazes, eficientes e adequados às necessidades. Os ensaios clínicos (ECs) garantem aos doentes um acompanhamento clínico de excelência, frequentemente auditado por entidades externas; permitem um acesso precoce à inovação terapêutica, possibilitando aos doentes o tratamento com fármacos de maior actividade e melhor perfil de segurança, podendo dar-lhes mais quantidade e melhor qualidade de vida. Os ECs proporcionam ao país inovação e credibilidade científicas, bem-estar social e desenvolvimento. Por último, os ECs poupam dinheiro ao SNS e aos doentes, pois todos os medicamentos e exames complementares envolvidos são custeados na íntegra pelos respectivos promotores.

Em contraponto, os bruxos e os “patas”… não contribuem em nada para o desenvolvimento da sociedade. Mas, lá diz o cidadão comum, a estes vão os Srs, engenheiros, advogados, arquitectos, deputados e outros profissionais, respeitados pela nossa sociedade. A questão é que a iliteracia em saúde não afecta apenas os analfabetos, esta é transversal a toda a sociedade portuguesa e espelha-se no facilitismo do nosso dia a dia. É mais fácil acreditar-se em pretensos milagres obtidos rapidamente, realizados por “patas” que pouco estudaram mas que sabem tudo sobre tudo, ou na actividade de ervas com resultados sempre garantidos e “inócuas” em termos de efeitos laterais, do que em tratamentos médicos prolongados, em “drogas químicas” com bulas extensas de efeitos laterais, em conhecimento científico que obriga, muitas vezes, a reconhecer o pouco que se sabe sobre algumas doenças.

Daí que Portugal sempre tenha tido uma atitude esquizofrénica relativamente aos ensaios clínicos. Por um lado, elaboram-se discursos em que é bonito falar-se da necessidade de desenvolver e apoiar a investigação clínica, mas na prática criam-se inúmeras dificuldades aos investigadores. Esta esquizofrenia advém, directamente, da iliteracia em saúde e é por ela que permanecemos na cauda da europa neste capítulo e continuaremos a ser um país de reduzida expressão internacional a nível da investigação.

Pode ser que criem um Prémio Nobel para terapias não convencionais e aí Portugal venha a ter vários laureados, porque com este aumento de entraves a nível da Ciência, será pouco provável termos algum nesta área nas próximas décadas.

Mas os Srs. deputados têm razão, deixemos de ser idiotas – é fundamental não atribuir valor acrescentado a quem efectivamente não o tem, isentem de IVA os bruxos e os “patas”, e taxem com este imposto, se possível com o valor máximo, o que realmente gera valor. Eu ficarei muito desapontado convosco se a investigação cientifica não for taxada com o valor mais elevado do IVA.

António Araújo

Director do Serviço de Oncologia Médica do Centro Hospitalar do Porto

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