Pois meus caros leitores, infelizmente vivemos num tempo em que elegemos um conjunto de “i…” para nos governarem. Pois que outra explicação haverá para que estes aprovem a retirada do IVA às terapias não convencionais (à actividade de bruxos, endireitas, quiropatas e de outras, todas acabadas em “patas”) e discutam actualmente aplicar este mesmo imposto às actividades de investigação clínica?
É certo que se nos ativermos ao significado literal da palavra IVA, imposto sobre o valor acrescentado, os “patas” e os bruxos realmente não produzem qualquer valor ao passo que a investigação científica produz conhecimento, que é em si e para toda a humanidade, um valor acrescentado. Os nossos governantes têm razão, isentem-se os “patas” e taxe-se a investigação clínica. Esta que é uma actividade fundamental para o desenvolvimento do conhecimento e da inovação, que contribui para a melhoria da saúde nas populações e do desempenho dos profissionais e das unidades de saúde, gerando cuidados mais eficazes, eficientes e adequados às necessidades. Os ensaios clínicos (ECs) garantem aos doentes um acompanhamento clínico de excelência, frequentemente auditado por entidades externas; permitem um acesso precoce à inovação terapêutica, possibilitando aos doentes o tratamento com fármacos de maior actividade e melhor perfil de segurança, podendo dar-lhes mais quantidade e melhor qualidade de vida. Os ECs proporcionam ao país inovação e credibilidade científicas, bem-estar social e desenvolvimento. Por último, os ECs poupam dinheiro ao SNS e aos doentes, pois todos os medicamentos e exames complementares envolvidos são custeados na íntegra pelos respectivos promotores.
Em contraponto, os bruxos e os “patas”… não contribuem em nada para o desenvolvimento da sociedade. Mas, lá diz o cidadão comum, a estes vão os Srs, engenheiros, advogados, arquitectos, deputados e outros profissionais, respeitados pela nossa sociedade. A questão é que a iliteracia em saúde não afecta apenas os analfabetos, esta é transversal a toda a sociedade portuguesa e espelha-se no facilitismo do nosso dia a dia. É mais fácil acreditar-se em pretensos milagres obtidos rapidamente, realizados por “patas” que pouco estudaram mas que sabem tudo sobre tudo, ou na actividade de ervas com resultados sempre garantidos e “inócuas” em termos de efeitos laterais, do que em tratamentos médicos prolongados, em “drogas químicas” com bulas extensas de efeitos laterais, em conhecimento científico que obriga, muitas vezes, a reconhecer o pouco que se sabe sobre algumas doenças.
Daí que Portugal sempre tenha tido uma atitude esquizofrénica relativamente aos ensaios clínicos. Por um lado, elaboram-se discursos em que é bonito falar-se da necessidade de desenvolver e apoiar a investigação clínica, mas na prática criam-se inúmeras dificuldades aos investigadores. Esta esquizofrenia advém, directamente, da iliteracia em saúde e é por ela que permanecemos na cauda da europa neste capítulo e continuaremos a ser um país de reduzida expressão internacional a nível da investigação.
Pode ser que criem um Prémio Nobel para terapias não convencionais e aí Portugal venha a ter vários laureados, porque com este aumento de entraves a nível da Ciência, será pouco provável termos algum nesta área nas próximas décadas.
Mas os Srs. deputados têm razão, deixemos de ser idiotas – é fundamental não atribuir valor acrescentado a quem efectivamente não o tem, isentem de IVA os bruxos e os “patas”, e taxem com este imposto, se possível com o valor máximo, o que realmente gera valor. Eu ficarei muito desapontado convosco se a investigação cientifica não for taxada com o valor mais elevado do IVA.
António Araújo
Director do Serviço de Oncologia Médica do Centro Hospitalar do Porto