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Liberdade, democracia, capacidade de ouvir e de dialogar.

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Muita gente confunde liberdade com libertinagem e tem da democracia algo de estabelecido, sem perceberem que a democracia é uma obra permanentemente inacabada, que precisa de amadurecimento para ser efetiva e permitir opções verdadeiramente livres.

Ser livre, manter a liberdade, é muito difícil e complexo, porque é uma permanente aprendizagem que só faz sentido e é completa com um profundo respeito pelos outros, pelas suas escolhas, pela sua forma de vida, pela… sua liberdade. Por isso, ser livre, verdadeiramente livre, é perceber os limites naturalmente definidos pela convivência com aquilo que é diferente e, por muito que nos seja estranho, também igualmente livre. A nossa liberdade termina, isto é, tem fronteiras, está condicionada, onde  começa a liberdade dos outros, isto é, pelo espaço de escolhas de pessoas que como nós são igualmente livres. Gosto muito da forma simples como uma aluna do 12° ano dos Açores, Sofia Resendes, explica isso neste pequeno texto. Os jovens são particularmente incisivos, assertivos e sinceros nas suas opiniões.

O grande, muito grande, escritor Virgílio Ferreira, diz isto de forma sublime no livro “Nítido Nulo“, um livro fantástico que vos recomendo:

“É mais difícil ser livre do que puxar a uma carroça. Isto é tão evidente que receio ofender-vos. Porque puxar uma carroça é ser puxado por ela pela razão de haver ordens para puxar, ou haver carroça para ser puxada. Ou ser mesmo um passatempo passar o tempo puxando. Mas ser livre é inventar a razão de tudo sem haver absolutamente razão nenhuma para nada. É ser senhor total de si quando se é senhoreado. É darmo-nos inteiramente sem nos darmos absolutamente nada. É ser-se o mesmo, sendo-se outro. É ser-se sem se ser. Assim, pois, tudo é complicado outra vez. É mesmo possível que sofra aqui e ali de um pouco de engasgamento. Mas só a estupidez se não engasga, ó meritíssimos, na sua forma de ser quadrúpede, como vós o deveis saber.”

 

Sartre defendia, e bem, que “estamos condenados a ser livres”, e era muito assertivo na recusa de limitações – ” isso quer dizer que nenhum limite para minha liberdade pode ser estabelecido, exceto a própria liberdade”-, mas acrescentava, confrontado com a diversidade que desejava e considerava essencial, que “de um lado, o amor é uma história de respeito à liberdade do outro. De outro lado, é uma busca contínua de fazer respeitar a própria liberdade. Daí, ninguém é livre sozinho…”. Gandhi, um homem profundamente livre, dizia que “a mais alta forma de liberdade traz consigo a maior medida de disciplina e humildade” o que ficou gravado na Declaração Universal de Direitos do Homem sob a forma “a liberdade consiste em se fazer tudo o que não prejudica os outros”. Anne Robert Jacques Turgot, grande economista francês, dizia que “a liberdade é o direito de fazer tudo quanto não prejudique a liberdade dos outros” – “La liberté naturelle consiste dans le droit de faire tout ce qui ne nuit pas au droit d’autrui” – frase que deu origem ao artigo 4° da Declaração Universal dos Direitos Humanos (resolução 217 A (III) da ONU (10/12/1948)).

A liberdade não se conquista, constrói-se diariamente e tem na democracia um aliado fundamental. Não há liberdade efetiva sem uma construção democrática madura, baseada nos princípios do respeito pela diversidade, pela diferença e pela forma de pensar e de estar dos outros. Só uma democracia adulta permite opções verdadeiramente livres. A democracia e a liberdade são por isso irmãs gémeas.

Nessa perspetiva, é essencial entender e construir a liberdade e a democracia nestes princípios como forma de manter pontes e coexistir de forma ativa com quem pensa e vive de forma diferente. É isso a essência do projeto de PAZ que é a Europa. Uma sociedade livre e profundamente democrática sabe ouvir, aprecia a opinião dos outros, não abusa da sua liberdade tomando atitudes que afastam os outros, ou aumentam a sua desconfiança, tem sobre tudo um comportamento ético e decente, porque sabe que isso é essencial para o diálogo e para a confiança necessária ao consenso (há uma enorme diferença entre ter o direito de fazer algo, no exercício da sua liberdade individual, e ser correto fazê-lo. Essa diferença chama-se ética, e o modo de atuar tendo por base essa diferença é a decência). Consequentemente, integrar os outros, aqueles que pensam de forma diferente, têm outra religião, entendem o mundo de forma diversa da nossa, é essencial para um debate sério, maduro e eficaz sobre o nosso futuro coletivo.

Portugal iniciou no dia 25 de Abril de 1974 o seu processo de construção da liberdade e democracia. Passaram 42 anos e todos sentimos uma enorme necessidade de continuar a crescer. Em 2014 editei um vídeo que pretende ser um grito de liberdade e uma homenagem ao que fomos capazes de fazer. E um aviso de que, como dizia o grande General Pinheiro de Azevedo, “se falharmos nós, não falhará o povo!”.

Pensem nisso.

J. Norberto Pires

 

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