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Isabel Alçada, Contratos de Associação e o terrível dèjá vu

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Estive a rever a cronologia de 2010 e 2011 desta questão dos “Contratos de Associação” com Escolas do Ensino Particular e Cooperativo. Era Ministra da Educação a Professora e Escritora Isabel Alçada. Olhando para o que era dito na altura fica uma ideia muito preocupante de déjà vu. É tudo igual: a mesma necessidade de rever contratos e cumprir a lei, procurando perceber o que é necessário e deve ser mantido e o que já não se justifica, a mesma argumentação por parte das escolas, o mesmo discurso por parte dos sindicatos, até as T-shirts, as cartas (em 2011 eram caixões, sim caixões, depositados à entrada do Ministério da Educação), as petições, os cordões humanos, a utilização de crianças em protestos, a falta de serenidade e a tentativa de criar muito ruído para deixar exatamente tudo igual.

Basta fazer uma simples pesquisa na internet para perceber que, mudando o nome dos protagonistas, era exatamente tudo igual. E isso, desculpem, é assustador!

Deixo só dois exemplos:

  1. Uma conferência de imprensa da Ministra Isabel Alçada (veja vídeo) em que protestava pela utilização de crianças nas manifestações dos colégios privados, e esclarecia os objetivos do seu ministério: “Num momento de contenção financeira e rigor na gestão orçamental do Ministério da Educação efetuámos uma análise minuciosa dos recursos colocados em cada área para conter despesas e investir apenas o necessário e o suficiente”, dizia então a Ministra.
  2. Um protesto organizado por escolas com Contrato de Associação à porta do novo Conservatório de Música de Coimbra. Nessa iniciativa, dezenas de pais, encarregados de educação, professores e alguns directores de escolas do ensino particular e cooperativo, vestidos de negro, esperaram a Ministra Isabel Alçada, junto ao novo Conservatório de Coimbra, numa concentração que constituiu um protesto simbólico contra a legislação que alterava o modelo de financiamento do sector. No vídeo (ver abaixo) podem-se ver e ouvir as declarações de um diretor de uma dessas escolas e o esclarecimento da então Ministra Isabel Alçada.

Muitos outros exemplos se podem encontrar na internet.

 

Isto permite-me várias reflexões que alinho sem grande preocupação e, como se costuma dizer, ao sabor da pena:

  1. Aparentemente (estou a ser irónico), há uma enorme aversão à avaliação. As Escolas não querem que o Estado avalie se os Contratos de Associação ainda se justificam ou não: “Dez colégios com contrato de associação vão avançar para tribunal contra o Ministério da Educação para tentar impedir a suspensão do apoio a turmas de início de ciclo (5.º, 7.º e 10.º anos de escolaridades) nos casos em que existe alternativa na rede pública”. Portanto, o Estado, no cumprimento da lei e cuidando da aplicação dos parcos recursos dos contribuintes, decide analisar caso-a-caso os contratos de associação e verificar sobreposições. No cumprimento escrupuloso dos contratos assinados afirma que só colocará em causa o apoio a turmas que já não são necessárias, tendo o cuidado de não interromper ciclos. Mas as empresas privadas, leia-se as Escolas do Ensino Particular e Cooperativo que foram subcontratadas para suprir a dificuldade momentânea do Estado em certas freguesias, não concordam e pensam que o Estado deve continuar a subcontratar aquilo de que não precisa. Isto é, o Estado não pode, nem deve, avaliar se as necessidades que deu origem a esses contratos ainda se mantêm. Isso é, dizem, um atentado à liberdade de escolha, à liberdade de ensino, etc., apesar de os contratos referidos nada terem a ver com esse objetivo.
  2. Mas isso intriga-me e deixa-me uma pergunta: Mas não querem por que razão exatamente? Será que as necessidades que deram origem a esses contratos eram inflacionadas, isto é, não eram verdadeiras necessidades e foram criadas só para viabilizar este tipo de apoios a Escolas Privadas? Se não é assim, por que razão não pode o Estado verificar, no cumprimento da lei e da boa gestão do dinheiro dos contribuintes, de forma transparente e pública, se essas necessidades ainda existem e, assim, avaliar se se continuam a justificar, ou não, as turmas associadas a esses contratos?
  3. Não é tudo isto particularmente grave e representativo do desgoverno do país durante muitos anos. É por achar isso mesmo que o estudei este assunto e considero a minha obrigação prestar atenção e divulgar, para que todos os cidadãos se apercebam que coisas deste tipo acontecem um pouco por todo lado, nas várias áreas de ação do Estado. E isso sim – esta forma de conduzir e gerir o Estado – é que é dramático e está na génese do que conduziu o país a este estado de coisas.
  4. A Ministra Isabel Alçada encomendou à Universidade de Coimbra, nomeadamente à sua Faculdade de Letras, um estudo sobre a “Reorganização da Rede do Ensino Particular e Cooperativo“. Esse estudo foi coordenado pelo Professor António Rochette. Este estudo mostra coisas muito interessantes: a rede completa, uma análise exaustiva dos vários equipamentos, de onde vêm os alunos, etc. É tudo muito claro e percebe-se bem razão desta ENORME CORTINA de fumo que tentam lançar sobre este assunto para CONFUNDIR os contribuintes.
  5. Este é o único estudo deste tipo realizado até hoje. Por incrível que possa parecer, foi ignorado, e o seu autor enxovalhado em todo o lado:  “Fui linchado, fui enxovalhado nas redes sociais, nos jornais. Até mata-frades me chamaram”. E qual foi o crime que cometeu? Um muito simples: de acordo com o solicitado, o Prof. Rochette foi estudar o assunto, avaliou, ponderou e tirou conclusões afirmando, com exemplos, que os Contratos de Avaliação tinham de ser avaliados caso-a-caso:
  6. Em 2016, com o atual Governo em funções, o assunto de avaliar Contratos de Associação volta a estar em cima da mesa. E voltam os mesmos argumentos, o mesmo ruído, a mesma vontade de não cumprir a lei, de nada avaliar, de nada ponderar, de nada discutir, de nada debater, pois, apesar das dificuldades do país, não há nada a mudar. Está tudo bem!
  7. Há ainda a questão da avaliação da qualidade de ensino e do tipo de ensino que queremos, mas isso fica, por ser complexo e longo, para outro artigo. Deixo-vos só com um link para um artigo do Finantial Times de 2014 que falava sobre o resultado da privatização do ensino na Suécia. O país estava preocupado com o decréscimo acentuado nos testes de PISA. E alguém dizia: Para melhorar o sistema de educação é preciso investir na formação dos professores e reforçar as suas competências, e isso leva tempo. Por que iria uma empresa de ‘private equity’ preocupar-se em melhorar os resultados a longo prazo?

 

Nota final: A ex-Ministra Isabel Alçada, como notei na devida altura (13 de Fevereiro de 2016), foi a única ex-Ministra da Educação que não foi condecorada pelo ex-Presidente da República Cavaco Silva. É agora Conselheira do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa que, aparentemente, se prepara para falar sobre este assunto dos “Contratos de Associação”.

 

J. Norberto Pires

 

 

 

 

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