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FALAR CLARO EM SAÚDE

Muito se tem falado da necessidade de um pacto institucional, entre os partidos, para a saúde. Aparentemente, todos estão de acordo que este deverá ser para um período alargado de anos, compreendendo várias legislaturas. Esta seria uma forma de manter uma linha orientadora coerente para a próxima década, permitindo a todos os envolvidos saber o que poderiam esperar e como se deviam comportar nesta área tão sensível para os nossos cidadãos.

Outro assunto que parece consensual e que ocupa os nossos dirigentes da área da saúde é a maledicência relativamente aos seus trabalhadores. Esta tem sido relativamente transversal aos sucessivos ministérios, particularmente quando se fala dos profissionais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) – lançam-se dúvidas e insinuações sobre o seu profissionalismo e a sua ética, dizem-se meias verdades e fomenta-se, na população em geral, a descredibilização desses profissionais. Os objectivos desta forma de actuação não são, de todo, claros. Qualquer empresário sabe que para ter os seus profissionais a produzir mais e melhor deve pagar bem e, mais importante, sobretudo se a primeira premissa não for possível, conceder-lhes formas de realização profissional e pessoal e prestar-lhes o devido reconhecimento, para que trabalhem muito mais do que se lhes é exigido (falamos de quantidade) e, especialmente, que tenham gosto na hora de produzir (falamos de qualidade). No SNS assistimos exactamente ao oposto destas boas práticas, esperando que os profissionais de saúde não reajam de forma avessa às variadíssimas formas de desincentivo ao trabalho.

Recentemente, o Sr. Presidente do INFARMED, o Dr. Henrique Luz Rodrigues, afirmava ao jornal Expresso o seguinte – “Na Plataforma da Transparência só estão cerca de sete mil médicos identificados. Então, e os outros, nunca fizeram formação?”, salientando os autores do artigo – “referindo-se aos mais de 40 mil no país”.

Estas afirmações não passam de uma falácia, que visa uma vez mais levantar dúvidas sobre a honestidade dos médicos em geral. Assim, é imperioso esclarecer o seguinte:

1.       Neste momento, de acordo com o Decreto-Lei 5/2017, de 06 de Janeiro, apenas são obrigados a declarar na designada Plataforma de Comunicações – Transparência e Publicidade, a título individual, os profissionais de saúde do SNS;

2.       De acordo com o mesmo articulado, todo o patrocínio concedido pela indústria farmacêutica é obrigatoriamente registado por esta na referida base de dados, num prazo máximo de 30 dias a contar da efectivação do benefício, independentemente da vontade do beneficiário.

Sublinho que o registo naquela plataforma não depende da vontade do profissional de saúde do SNS mas da obrigatoriedade das farmacêuticas o efectuarem. Pelo que, se este não é realizado, serão as farmacêuticas as responsáveis.

Acresce, segundo o último “Balanço Social Global do Ministério da Saúde e do SNS 2014”, publicado pela ACSS, que ligados ao SNS apenas existiam 25.238 médicos, sendo que destes 8.257 eram médicos a realizar os internatos (1.120 do Ano Comum e 7.137 da especialidade) e somente 16.850 eram médicos especialistas. Relembrando que as farmacêuticas não apoiam os médicos do internato do Ano Comum nem os internos da especialidade dos primeiros anos, que há especialidades que, por serem mais técnicas, pouco ou nenhum apoio têm da indústria e que há médicos que, por opção ou por estarem perto da reforma, não pretendem fazer formação, referir que estão registados na “plataforma da transparência” apenas 7000 médicos, significa que, dos médicos no activo, realizam formação apenas metade a um terço destes.

Em conclusão e falando claro, tomando como verídicas as declarações do Sr. Presidente do INFARMED, relativamente aos registos na “plataforma da transparência”, muito mais do que questionar a integridade dos médicos, deveria ficar preocupado pelo número reduzido destes que faz formação e, ao invés, criar condições para que esta abrangesse o maior número possível de profissionais de saúde – porque estes são, na sua grande maioria, empenhados, honestos e trabalhadores. Basta observar que são eles os grandes responsáveis pela qualidade do nosso SNS, contribuindo para o manter como um dos melhores serviços de saúde do mundo. Chega de denegrir o bom nome dos profissionais do SNS!

António Araújo
Director do Serviço de Oncologia Médica do Centro Hospitalar do Porto
Vice-Presidente do Conselho Regional do Norte da Ordem dos Médicos

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