Blogue Insónias

Engenharia social a martelo? Sei que não vou por aí.

 

Um país de clima ameno onde se morre de frio, porque não há dinheiro para pagar aquecimento,

um país onde os meninos frequentam escolas geladas sem condições minimamente dignas,

um país em que as famílias se desunham a trabalhar sem conseguirem pagar as pesadas propinas para educar os seus filhos,

um país em cujos hospitais públicos falta material médico a todos os níveis,

um país com listas de espera vergonhosas para tratamentos e cirurgias urgentes,

um país cuja população nem sequer dispõe de uma rede de cuidados médico-dentários,

um país em que não há lares condignos para idosos,

um país em que não há dinheiro para pagar a médicos o suficiente para os manter nos hospitais públicos,

um país em que não há redes sustentadas de cuidados paliativos e de cuidados continuados para todos,

um país que, paradoxalmente, suporta o financiamento de cerca de 2.600 processos de averiguação de paternidade por ano,

este país, com as prioridades completamente invertidas, vai dar-se ao luxo de gastar 1,6 milhões de euros em centros de recolha de gâmetas (esperma e ovócitos).

Este país demencial não concede às crianças que resultam de gâmetas de dadores o direito de conhecerem a sua identidade biológica (ao contrário do que já acontece noutros países),

Este país refém de um relativismo simplório proíbe, no caso das barrigas de aluguer, que a mulher-incubadora fique com o bebé, com o argumento de que não é seu filho biológico.

Este país trata bebés e mulheres como mercadorias, considerando-os um bem disponível para o uso público.

É urgente contrariar os «cânticos negros». É fundamental travar engenharias sociais a martelo que representam um tremendo atraso civilizacional. Não sei por onde vou. Não sei por onde vou. Sei que não vou por aí!


Cântico Negro

«Vem por aqui» – dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: «vem por aqui!»
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali…

[…]

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos…

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: «vem por aqui!»?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí…

[…]

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: «vem por aqui»!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou…
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
– Sei que não vou por aí!

José Régio, in: «Poemas de Deus e do Diabo».

 

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