Tratava de depressão há 12 anos sem melhora, quando uma colega minha, clínica geral, a encaminhou para meu consultório. Era medicada, mas nunca foi tratada. Dizia a todos que era uma depressiva, forjando em sua identidade este estereótipo. “Eu sou assim”!
Estamos diante de um problema social mundial intenso. Uma epidemia chamada depressão, a segunda maior doença mental da atualidade – a primeira é a ansiedade, sendo que 25% dos casos de viram depressão. Por que esta doença virou epidemia diante de tantos profissionais e de tantas especialidades? Por que a área de saúde não consegue prevenir nem tratar direito os casos de depressão, tendo a doença crescimento em progressão geométrica? Por que hoje encontramos pacientes que se tratam por décadas sem melhora, com sua vida paralisada em sofrimento? E por que a sociedade se acomoda diante desse descaso?
Há mais de 30 anos dedico parte de minha profissão, como analista e psicólogo clínico, para o tratamento de pacientes com depressão, doença tão temida e estigmatizada na pós-modernidade. É a contra indicação de nossa sociedade de consumo, de uma civilização que perdeu os valores: na crise de ideologia, de identidade, de cultura, da religião, da política, da economia, na sociedade violenta em que o consumismo acirrado e a moda destituíram do ser sua identidade. Hoje a vida é plastificada, cheia de vários elementos do sem graça, há muita pose e pouca essência. Vivemos na sociedade do vazio.
E ainda enfrentamos um problema gravíssimo junto aos profissionais de saúde: a visão míope de vários deles, a começar na academia, que persiste em manter revisão bibliográfica de velharias, destituindo o aspecto psicodinâmico da patologia. Depois, temos a questão da visão materialista, que encerra a doença em estudos estatísticos que nada dizem, mostram números frios e secos como a própria depressão. E, para completar, relegam a depressão a processos biológicos, a sinapses e neurotransmissores, a genética, justificando uma visão parcial em uma verdade científica.
A depressão é o grito da alma, da psique que está em neurose, desajustada, na qual o ego, nossa identidade, torna-se um estrangeiro, vivenciando uma fronteira, um terceiro diante da própria existência. Acabamos por ser estrangeiros da nossa própria vida.
O mercado de consumo estabeleceu como regras sociais o individualismo, o egoísmo, a falta de humanidade, a agressividade, o vale-tudo e a identidade maleável dentro de modismos, destituindo do ser o desejo que atualmente é pré-fabricado na ruptura com o processo de individuação: a fragmentação da dinâmica psíquica engendra na maior parte dos casos a depressão. A vida fica sem graça diante do nada existencial. E o sofrimento passa a ser intenso quando um indivíduo resolve não perceber seu próprio mundo interior, sua alma, sua psique. É a fronteira do ser diante de sua própria existência. Já não mais escutamos nossos sonhos, a introspecção e a meditação deram lugar a um vazio de sentido, não sabemos mais quem somos nem o que podemos fazer.
Minha paciente em depressão não se lembrava de seus sonhos há anos. Não sabia mais como prestar atenção em si própria. Não se conhecia nem se reconhecia. Não sabia quem era, o que desejava. Era uma estranha para ela mesma. E isto hoje é comum.
Não teremos sucesso nos tratamentos de depressão enquanto se olhar a doença como estatística ou com um fundo orgânico, sem se atentar para o problema psíquico. Depressão não é da matéria, mas sim do materialismo, fruto direto de uma cultura egoísta na qual a hostilidade faz parte constante dos atos do existir.
A depressão é uma doença que, quando tratada, tem cura. O tratamento envolve o uso de medicação, psicoterapia profunda – preferencialmente a análise, e atividade física. Os tratamentos levam em média de 8 meses a um ano. Olhe para sua alma!
Jorge Antônio Monteiro de Lima