José Manuel Durão Barroso vem a terreiro, em francês, assumir a sua posição de defesa. Algo que, grosseiramente traduzido, se situa no seguinte flanco: «Cumpri todas as regras; as instâncias europeias não foram tão exigentes com outros casos como querem fazê-lo comigo!»
Exercício matinal de hoje, tentar escalpelizar um pouco as afirmações.
Aparentemente, pela coerência, diria que JMDB tem um quota-parte de verosimilhança no que afirma. Nunca nos termos e na medida em como um articulista o terá proposto ao Observador. Mas, reconheço alguma verosimilhança ao expediente argumentativo usado por JMDB. E porquê?
Duas grandes ordens de razão.
1) Um dos argumentos utilizado parte de uma «comparação» – cuja análise categorizaria como rebuscada – mas que tem sido elencada por JMDB, e seus «defensores». «Outros casos “em tudo similares”».
De facto há similitude, imprópria, mas há. A parte “similar” contende, todavia e desde logo, com o “Momento”. Isto é, se é certo que nas várias instâncias europeias facilmente se encontram titulares de cargos que desempenharam funções, inclusivé, no Goldman Sachs; o que é certo é que, até este “momento” nenhum desses “visados” fez um percurso como o que JMDB está a fazer. Ou seja, parte de uma liderança de relevo político de uma instituição política da UE para relevar(lobbying) política e decisivamente um “cargo” numa instituição bancária. Decisivamente censurável – pelo menos assim o entendo – precisamente pelo “Momento”.
Nunca como hoje a UE vive um «Momento» decisivo para a sua existência. Ainda não refeitos pela vontade soberana do #Brexit, a UE vive(sem encontrar uma solução): uma crise de refugiados, interminável; uma crise económica sem solução aparente; uma radicalização do discurso anti-europeu. E todo este «Momento» é de risco capital! Para todos nós.
Tanto assim que, aquela inconveniente verdade assumida pelo próprio JMDB ao Financial Times para justificar a sua “contratação” por essa entidade bancária: «“Of course I know well the EU, I also know relatively well the UK environment,” Mr Barroso said. “If my advice can be helpful in this circumstance I’m ready to contribute, of course.”», surge como a ignição – desnecessária – num ameaçador barril-de-pólvora em que vivemos. Não obstante, a sua defesa, insistente quanto a Mário Draghi, como paradigma da discriminação de que «está a ser alvo pelas instituições europeias», parece querer esquecer, por exemplo, o da sua Comissária Kroes.
E é aqui que saltamos para o nosso ponto 2.º.
2) Alegadamente, qualquer um dos visados terá cumprido as regras instituídas no Momento em que tomavam as decisões profissionais que tomaram. JMDB assume frontalmente o seu escrupuloso cumprimento do período de nojo que lhe coube. Mas, «como elogio em causa própria é vitupério», o que notamos é que as «REGRAS SÃO ESTABELECIDAS PELOS PRÓPRIOS» e beneficiários primeiros delas. Fazendo um pequeno paralelismo, facilmente percepcionável, com as lengas-lengas que se arrastam ad eternum, por várias sessões legislativas, no nosso Parlamento Português, cujo novo episódio – relativamente à legislação para regular a actividade dos «acumuladores» – recomeçou agora em Setembro de 2016!!!.
Logo, em jeito apropriado, reconheceria que a verosimilhança do expediente argumentativo de JMDB se define como de «meias verdades». «Poucochinho», pois que a exigência, a responsabilidade, e, a transparência, carecem de mais. Muito mais! Não deixa, por isso, de ser curiosa a novela que, por regra, toda esta promiscuidade política+banca, quotidiana e corriqueira, «o tal novo normal» suscita. Assim como não deixa de ser curiosa as posições que, ora «defensores» ora «atacantes» assumem.
O que não pode passar em claro, com a leveza típica com que os «entrincheirados» nos adormecem, são estas duas premissas:
1) Somos todos e cada um de nós responsáveis pela claque(e não classe) política que elegemos;
2) nestas Regras democráticas por que nos regemos, que aceitamos e que praticamos, o tempo tem mostrado que as nossas escolhas carecem de imperiosa e devida introspecção. Nunca como hoje o paradigma do «voto na e pela cara» em detrimento do «voto no projecto político» tem de ser erradicado.
Terminando, e focando o essencial na conduta política de JMDB. Ele não é um político comum. De todo. O seu historial político assim o define. Desde logo, salientaria, parte da sua irreverência política; de JMDB ter patrocinado a invasão do Iraque(lembram-se?); JMDB ter sido chefe de governo de uma nação com 900 anos de história; ter sido líder político de uma Comissão Europeia. Uma pessoa com todo um passado político. Pesado. Pouca similitude, portanto, com os «casos similares» com que se procura defender.
E é aqui, por tudo isto que, insisto, nunca como hoje o exemplo a darmos a JMDB se assume como de risco capital. A nossa permissividade, ou não, ditará as Regras futuras.
Mas eu assumo este risco. E por isso,volto a replicar a petição online que faz a diferença. «Em meu nome não…». Até porque, cumprindo cristalinamente – pela minha parte – «cumprir as regras» tem sido muito “poucochinho”…
NOTA: Foto President George W. Bush meets with Prime Minister Jose Manuel Durao of Portugal in the Oval Office Friday, June 6, 2003. White House photo by Tina Hager. Disponível em: http://georgewbush-whitehouse.archives.gov/news/releases/2003/06/images/20030606-4_p30870-19a-515h.html