Portugal é um país distópico a nível de executivos governamentais. A cada legislatura vamos conhecendo números “milagrosos”, através de concursos – excepcionais – para os quadros da administração pública que prometem revirar o muito que de mau nesta AP vai enferrujando a sua agilidade e eficácia.
Trago a tema, desta vez, um concurso lançado, oficialmente, em 2014, pelo anterior executivo, cuja pompa dos números – 1000 inspectores para a AT – alvitrava «soluções mágicas», através desse reforço, excepcional. Excepcional porquanto, as notícias postas a circular insistiam que a entrada para os quadros públicos estaria sujeita a escrutínio aturado por parte dos membros do governo. Dessa fartura de mil novos profissionais, estariam abertas 900 vagas para inspectores das áreas de economia, gestão, contabilidade e auditoria, mais 80 da área informática e 20 para estatística.
Não obstante, fomos conhecendo que esta fartura – aparente – estava condicionada. Por duas ordens de razão:
1) quase metade dos candidatos já pertenciam aos quadros da AT. À data de 2014, Sindicato dos Trabalhadores dos Impostos, contabilizava, pelo menos, 490 funcionários dessas mil vagas;
2) dessas mil vagas, esse número mágico – para encher notícias, com o curso de formação a decorrer, em Maio de 2015, cerca de 100 lugares, ainda se encontravam vagos. E o compromisso assumido com a troika, que permitira a excepcionalidade deste concurso, deixava definhar assim – sem apelo nem agravo – 100 vagas logo no início…
Mas, se esta estória encerra os típicos contornos de maquinação de números – tão usual nos diversos executivos que vamos elegendo – não deixa ainda de nos surpreender as notícias que hoje fomos conhecendo. Com efeito, fomos dando conta de que, um estágio para ocupar vagas em emprego público, patrocinado pelo Estado, que se previa de um ano – logo, findo em Dezembro de 2015 – no fim de Janeiro de 2017 ainda continua a ser prolongado…pelo próprio Estado. O número mágico inicial aparece condicionado a um total de 849 candidatos finais que terão, alegadamente, acabado o curso de formação de 2014. Destes, 452 já pertenciam ao mapa de pessoal da AT. Não obstante, e já com queixas – devidas – junto do Provedor de Justiça, apresenta-se-nos sem fim à vista um tal de estágio probatório.
O contexto burlesco de toda esta estória é tanto mais grave quando se percebe que o Estado, além de maquinar-números-para-troika-ver com o preenchimento de vagas, excepcionais, patrocina emprego público precário, mantendo os estagiários em fase experimental, condicionados ao vencimento de estagiário. Mesmo que mais de 60% destes estagiários já fizessem parte dos quadros da AT e tenham optado pelo vencimento de origem (se maior que o de estagiário, entenda-se!), não deixa de ser uma péssima imagem que o Estado passa para o país. Para todos nós. Patrocinada pelos executivos que acompanharam todo este lamentável processo. E com este exemplo de imagem de incentivo à precariedade laboral deste calibre, admiram-se do estado perverso a que a indústria do estagiário tem conduzido o país?
Deixo duas provocações finais:
1) Com o exemplo desta fraude com o estágio da AT, conseguiremos colocar o Estado na lista de maiores devedores à Segurança Social?
2) Com o exemplo desta fraude com o estágio da AT, quando é que a classe política assume a responsabilidade de falar a verdade ao cidadão comum? Será pedir muito?
Partam da verdade que querem que assumamos, e mostrem a cultura do exemplo que devemos seguir: «Cumpra as suas obrigações dentro dos prazos: Evite os custos associados ao incumprimento».
Não, nem tudo é uma feira de gado. Somos pessoas! Portugal, o Estado, todos nós, agradeceremos um tratamento mais humano!