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Cristiano Ronaldo não merece tanta ingratidão

Paulo Vieira da SilvaPaulo Vieira da Silva

Paulo Vieira da Silva

Paulo Vieira da Silva

Cristiano Ronaldo nasceu pobre, muito pobre, no Funchal, na Ilha da Madeira, filho de Dolores Aveiro, bordadeira, uma mulher humilde mas trabalhadora que criou quatro filhos e de José Dinis Aveiro, empregado numa mercearia, entretanto falecido em 2005, vítima de um problema de alcoolismo que infelizmente o acompanhava há muitos anos.

Ainda pequenito, Ronaldo, deparava-se muitas vezes, durante a noite, com a mãe a chorar na cama que dividiam. Era o desespero de uma mãe que não sabia se no dia seguinte haveria comida para colocar em cima da mesa. As dificuldades para criar os quatro filhos pequenos eram muitas. Foi mãe e pai muitas vezes. Era praticamente ela o sustento da casa.

Nessas noites, desde pequeno, Ronaldo dizia à mãe para que não chorasse. Que quando fosse grande, iria ganhar muito dinheiro. Que lhe iria comprar uma casa e tirá-la do trabalho duro. E foi verdade. Não falhou à promessa quer fez à mãe.

Ronaldo tinha o sonho de dar uma casa à mãe, mas tinha outros sonhos. Naquele corpo de miúdo franzino, como escreveu Fernando Pessoa, cabiam todos os sonhos do mundo.

Jorge Paulo Lemann, um dos maiores empresários brasileiros, escreveu que “sonhar grande e sonhar pequeno dá o mesmo trabalho”. Não sei se Ronaldo leu o livro de Cristiane Correa “Sonho Grande” que nos conta a história de como este empresário, Marcel Telles e Beto Sicupira conquistaram o mundo, mas se não o leu, melhor o fez.

Ronaldo sonhou sempre grande. Nunca escondeu, desde muito jovem, que sonhava um dia ser o melhor jogador de futebol do mundo.

Mas não ficou por aqui.

Atingiu o Olimpo do mundo do futebol. Foi mesmo o melhor de todos, não uma, não duas, mas por cinco vezes, ao lado de outras estrelas estratosféricas como Pelé, Maradona e Messi.

Não conseguiu apenas ser o melhor do mundo.

Tornou-se numa lenda do futebol mundial.

O miúdo que tinha um jeito fora de comum para o futebol começou no Andorinha, seguiu para o Nacional da Madeira, mas rapidamente viajou para Lisboa, sozinho, sem a família. Com apenas 12 anos mudou-se para a capital para envergar a camisola do Sporting Clube de Portugal.

A partir daqui todo o seu trajecto desportivo é conhecido do mundo da bola. Seguiu-se o Manchester United, o Real Madrid, a Juventus e o regresso ao Manchester United. Desta vez já não encontrou Sir Alex Ferguson que o tinha trazido, em 2003, de Lisboa para Manchester.

Tudo teria sido diferente se neste seu regresso no lugar de Ten Hag, tivesse encontrado Ferguson.

Nem todos os homens têm a mesma dimensão humana.

E nisso Ferguson é também um gigante.

Outros, porém, serão sempre pequeninos porque vivem atormentados com as conquistas dos outros, não tendo a honestidade intelectual de medir a grandeza das coisas.

Nestas duas décadas, em que tem estado ao mais alto nível, ganhou quase tudo o que um jogador pode vencer coletiva e individualmente. Foi campeão em Inglaterra, Espanha e Itália. Ganhou cinco Ligas dos Campeões, quatro Mundiais de clubes e duas Supertaças europeias. Foi eleito o melhor jogador do mundo pela FIFA por cinco vezes – se houvesse verdade desportiva seriam sete – e conquistou a Bota de Ouro da UEFA por quatro vezes. Foi ainda três vezes eleito o Melhor Jogador da UEFA e uma vez o Melhor Jogador de Clubes da UEFA.

Não quero ser fastidioso. Vou abster-me de falar das dezenas e dezenas de recordes que bateu ao longo da sua carreira. São mais que muitos, de todas as formas e feitos e para todos os gostos.

Será que os portugueses se esqueceram dos inolvidáveis títulos que ajudou a conquistar para Portugal, de Campeão de Europa e de vencedor da Liga das Nações?

Será que não se recordam que, em muitos momentos, foi Cristiano Ronaldo que carregou a selecção nacional às costas com a sua determinação única, o seu talento e os golos que nos conduziram a todas as fases finais de Europeus e Mundiais?

Não sei, às vezes parece que esqueceram, nomeadamente muitos comentadores de pacotilha que pululam nas televisões, mas também muitos portugueses que nos últimos dias têm inundado as redes sociais com comentários que prefiro nem qualificar.

A memória dos homens é curta, talvez demasiado curta.

Nesta sociedade pouco ou nada saudável assente no consumismo exacerbado tudo se tornou efémero. Vivemos num tempo em que tudo ou quase tudo é descartável.

Rapidamente Cristiano parece que passou à condição de dispensável. Mesmo de quem não tem memória.

Não decidi escrever este texto porque sou amigo de Ronaldo. Aliás, não o conheço. A única coisa que recebi dele foi um singelo postal com uma mensagem personalizada e um autógrafo que teve a amabilidade de dirigir à minha filha através de um amigo jornalista que o entrevistou na sua casa em Madrid.

Não me interessam também as suas casas, muito menos os seus carros, nem a sua fortuna que foi constituída na base de muito trabalho, de muito esforço e dedicação.

Escrevo porque, como português, estou-lhe eternamente grato, mas também porque considero a ingratidão o pior de todos os sentimentos.

Nas ruas, avenidas, praças e nos estádios do Qatar vejo milhares e milhares de bandeiras do nosso País por todo o lado, nas mãos de gente que nem imagina, nem sonha onde fica Portugal, mas que gritam bem alto um nome de um português e em português: Cristiano Ronaldo!

Cristiano Ronaldo levou o nome de Portugal aos quatro cantos do mundo. “E se mais mundo houvera, lá chegara” como escreveu Camões nos Lusíadas.

Sinto um genuíno orgulho em Ronaldo.

É a única personalidade do Mundo com mais de 500 milhões de seguidores no Instagram. É um dos dez homens mais influentes do planeta.

Neste país à beira mar plantado somos, mais coisa, menos coisa, dez milhões, mais 240 milhões que falam português espalhados pelo mundo da lusofonia e da diáspora, por isso, temos que ter a humildade de reconhecer que somos demasiado pequenos comparados com as suas conquistas e a grandeza da sua obra material e imaterial, enquanto jogador de futebol.

O nome de Cristiano Ronaldo significa para os seus ídolos a capacidade de ter trocado as voltas ao destino, vitória e sucesso.

Estamos a falar de alguém que não se deixou render à quase inevitabilidade da pobreza sistémica.

Sempre que salta para cabecear uma bola parece alcançar o topo de mundo.

E alcançou mesmo.

Cristiano Ronaldo é mais que tudo isto.

É “um arquiteto do sonho e da ilusão” como escreveu António Boto.

Cristiano sonhou grande e continua a fazer-nos sonhar. O céu foi sempre o seu limite.

Rómulo de Carvalho, que o mundo conheceu como António Gedeão, escreveu que os homens “não sabem que o sonho é uma constante da vida, tão concreta e definida, como outra coisa qualquer.”

Desde muito cedo, Ronaldo, mostrou-nos que o sonho não é mesmo uma coisa abstracta. É necessário acreditar nas nossas capacidades, trabalhar muito todos os dias na busca constante do perfeccionismo para que o sonho se possa tornar realidade.

A carreira de Cristiano Ronaldo é um exemplo de vida que faz muitos milhões no mundo sonharem com uma vida melhor.

Por estas e muitas outras razões não entendo a ingratidão recente de muitos portugueses para com Cristiano Ronaldo, muitas vezes a roçar a má educação e o insulto gratuito.

Não tenho dúvidas que Ronaldo vive o período mais difícil e delicado da sua carreira desportiva.

Aos 37 anos, quase 38 anos, perdeu algumas qualidades que fizeram dele o melhor jogador do mundo, mas continua a ser muito útil à selecção nacional de Portugal pela sua experiência e liderança mas também pelo temor que ainda coloca nas defesas adversárias.

Esta é exactamente a mesma selecção que não raras vezes levou ao colo.

É nos momentos complicados que quem tanto dele recebeu deveria agora devolver, fazendo um esforço para compreender o momento difícil que está a viver no plano pessoal, familiar e desportivo.

Não vou negar que Ronaldo cometeu alguns erros nos últimos meses, mas aquele que nunca errou que atire a primeira pedra. Os meus pais ensinaram-me que para compreendermos os outros temos que nos colocar no seu lugar. É isso que deveríamos fazer sempre.

Confesso que sempre que vejo uma notícia sobre Ronaldo recordo-me, de imediato, que perdeu um filho há pouco mais de sete meses.

Graças a Deus nunca perdi um filho, por isso, não consigo imaginar a sua dor, contudo, não vejo a minha filha, que tanto amo, há 1871 dias. E digo-vos uma coisa: apenas Deus conhece a dimensão de uma dor que me acompanha a todas as horas, todos os dias da minha vida, por isso, não me atrevo sequer a imaginar a dor que Ronaldo poderá estar a viver.

Na vez de insultarem Ronaldo agradeçam-lhe o que tanto fez pelo nossa selecção mas sobretudo pelo nosso País.

No lugar de o gozarem ou humilharem apoiem-no neste momento difícil da sua vida.

Na época passada marcou um total de 29 golos ao serviço do Manchester United, no campeonato mais competitivo do mundo, e da seleção portuguesa. Desculpem-me mas Ronaldo não desaprendeu, em três ou quatro meses, de jogar futebol.

Este é o tempo do país inteiro puxar por Ronaldo porque estou convicto que apoiado e acarinhado pelos portugueses terá ainda muitas alegrias para nos oferecer.

Paulo Vieira da Silva
Gestor de Empresas / Licenciado em Ciências Sociais – área de Sociologia

(Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo)

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