Para além de dormir pouco, o que lhe deixa muito tempo livre, o recém-empossado PR tem uma dupla função: as funções de Estado que o mandato lhe confere e nos tempos livres comenta (as suas agora) decisões em directo de Belém bem ao estilo de Marcello Caetano. É só ver os vídeos e rapidamente se percebem as semelhanças.
Há quem afirme que ele pretende homenagear o amigo de família ou que quer imitar as “Conversas em Família” marcellistas. Na minha opinião, o senhor tem um Ego do tamanho do Mundo e quer ser visto como o “paizinho de todos os portugueses”.
Meu não é nem será, obrigada.
Ao ouvir a sua comunicação ao País, inédita pois já milhões de orçamentos foram promulgados em Portugal e nunca nenhum Presidente da República se prestou ao papel de vir comentar o seu acto de promulgação do documento, subjaz o personagem que Marcelo está a criar. A forma professoral com que Marcelo afirma a dada altura: “ A versão correspondente chegou finalmente às mãos do Presidente da República para promulgação” soa a esquizofrenia ou ao discurso de um jogador da bola que insiste em falar de si na terceira pessoa. Já não chegam as festarolas? Que ele queira quebrar com o paradigma conservador ao termos um Primeiro-Cão e não uma Primeira-Dama ou que queira andar de festa em festa por este Portugal fora ou que queira apenas ler o OE e promulga-lo em vez de o analisar à lupa, não chega? Até onde irá este espectáculo do actual Presidente da República?
O problema deve ser meu..Em 41 anos de Democracia temos um Governo parlamentar de Esquerda em que este se entende nas matérias mais complicada e onde os Partidos “do arco da Governação” nunca se conseguiram entender. O primeiro Orçamento de Estado apresentado é promulgado sem hesitações e em momento nenhum é ferido de inconstitucionalidades? Não há uma linha, um ponto, um parágrafo que não suscite qualquer dúvida? Todos nós sabemos que temos uma Constituição de Esquerda que no seu preâmbulo afirma que:
VII REVISÃO CONSTITUCIONAL [2005]
PREÂMBULO
A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.
Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.
A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do país.
A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.
A Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária de 2 de Abril de 1976, aprova e decreta a seguinte Constituição da República Portuguesa: (…)
E transcrevo caso dúvidas subsistam quanto à existência deste texto pós revisões constitucionais. Até aqui estamos e acordo, temos uma Constituição da República socialista, amorfa e com todos os derivativos que lhe poderia aplicar. Mas daí a um Governo parlamentar de Esquerda e Extrema-Esquerda conseguir elaborar um Orçamento de Estado que respeite na totalidade todos os pressupostos constitucionais, isso é que já me deixa dúvidas mas como digo, o problema deve ser meu porque a Direita e o Centro que elegeram Marcelo com maioria para Presidente da República usaram a desculpa de ele ser constitucionalista para validar a sua escolha. Esses e outros chavões que agora a prática das coisas revela serem falsos. No entanto, o mais engraçado é ver que os únicos que denunciam estes pormenores são os que ou votaram Marcelo contrariados com a desculpa de ” ser um mal menor” porque eu considero que existiam alternativas credíveis ou aqueles que não votaram nele porque já estavam à espera disto e não era o que queriam para o Presente e para o Futuro do País. A Direita e o Centro estão calados porque começam a perceber onde a sua escolha os vai levar e a Esquerda está de tal forma atónita por ter finalmente um Orçamento aprovado que nem diz nada com medo de acordar do sonho.
Agora e muito rapidamente quanto às considerações politicas proferidas pelo comentador Marcelo sobre o Marcelo que agora habita Belém:
Quando se refere ao facto de o Orçamento agora promulgado ser: “Um Modelo inspirador baseado no aumento de rendimentos através do aumento do poder de compra pensando uma eventual evolução negativa das exportações” , o comentador não percebe que é a actuação generalizada deste Governo que leva a que só seja negativa devido a um aumento pornográfico do imposto sobre os combustíveis aliado a outros castigos impostos às empresas que lhes retira oxigénio e faz baixar as exportações que estavam até à quatro meses atrás a evoluir a um ritmo excelente.. É o mesmo que retirar voos do Sá Carneiro e pô-los na Portela para justificar um novo aeroporto em Lisboa. Este aumento do poder de compra é fictício pois este é baseado na reposição de rendimentos que é açambarcado pelo aumento de impostos de vária ordem e de que ninguém fala. Estamos portanto perante a repetição da “receita socrática” para mal dos nossos pecados.
Não satisfeito, continua dizendo que este: “é um Modelo diferente do modelo dos últimos orçamentos”. Pois está claro, os últimos orçamentos apostavam precisamente nas exportações e nas empresas para gerar riqueza real que depois seria direccionada para o consumo e através da redução da máquina do Estado dava-se consequentemente a real baixa de impostos. Simples, não?
À boa maneira da Esquerda, Marcelo traz a lição bem estudada e culpa as entidades internacionais por este Orçamento não ser tão amigo das “políticas sociais” como todos gostariam ao afirmar que: ” A União Europeia, ou melhor, as instituições internacionais apresentaram umas previsões menos optimistas, exigiram (malucas!!!) um deficit mais baixo, e mais próximo do modelo anterior”, ou seja mais controlado e menos despesista. Porquê? Se calhar porque conhecem a realidade das contas públicas e sabem que o único resultado possível é mais uma bancarrota nos próximos tempos. Volta Troika e por favor muda-te para cá de vez.
Por último, segundo Marcelo, “A culpa da subida dos impostos indirectos é de Bruxelas bem como a exigência de um déficit mais baixo, pois eles reviram em baixa as previsões e viram necessidade de cortar medidas sociais. Segundo ele, “na AR introduzem-se novamente medidas sociais” e foi esse o texto que lhe foi entregue. Assume portanto que há um desrespeito claro da maioria parlamentar face às indicações de Bruxelas e que ele não só concorda com isso como promulga sem hesitação.
É uma pérola este professor. Aguardemos para ver que mais surpresas tem para nós. Eu aposto que ele vai acrescentar um “L” ao primeiro nome mas aceito sugestões.
Luisa Vaz
(A autora não escreve de acordo com o Acordo Ortográfico)