Para quem não sabe ou pretende fazer de conta, a formação dos profissionais de saúde, após as suas licenciaturas ou mestrados, sempre foi, maioritariamente, assegurado pela indústria farmacêutica, quer através do patrocínio da frequência de cursos ou congressos quer apoiando a organização destes pelos serviços do Serviço Nacional de Saúde (SNS). No primeiro caso, os profissionais de saúde do SNS são obrigados a solicitar autorização ao seu director de serviço e ao conselho de administração da sua unidade de saúde, e a declarar esses patrocínios numa plataforma pública. No segundo caso, a relação entre o serviço que organiza o evento e a farmacêutica tem que ficar expressa na forma de contracto, entrando o dinheiro para as contas da unidade de saúde. Sempre que possível, a acção organiza-se nas instalações do centro que a promove, servindo o dinheiro que remanesecente para custear a formação e a investigação do serviço. O Ministério da Saúde e o SNS nunca tiveram nenhuma iniciativa para assegurar o necessário ensino contínuo dos seus profissionais, fossem eles médicos, enfermeiros ou farmacêuticos. Não têm nem nunca tiveram, nem estimularam, a que houvesse uma qualquer fatia do orçamento das unidades de saúde (que já de si é extremamente curto) alocado a este objectivo.
A partir de 01 de Janeiro de 2018 e fruto de uma directiva da Comissão Europeia, a indústria farmacêutica vai ser proibida de apoiar directamente a formação dos profissionais de saúde. Acresce, agora, que o Sr. Ministro da Saúde veio proibir as unidades de saúde do SNS de receberem dinheiro directamente das farmacêuticas e de ser possível organizar nas suas instalações eventos que tenham o seu patrocínio, entrando a medida em vigor já a partir do próximo dia 05 de Fevereiro.
Assim, urge questionar o Ministério da Saúde sobre qual o modelo que vai implementar, a partir de Fevereiro, que garanta a qualidade da formação contínua dos seus profissionais de saúde e, consequentemente, a qualidade da Medicina praticada por estes. Quais as medidas que a tutela já equacionou e vai implementar, desde o próximo mês, para garantir essa formação? Qual o orçamento que tem pensado para tal, quais as fontes de financiamento e como será feita a distribuição dos apoios? Como poderão os profissionais de saúde organizar eventos científicos apoiados pela indústria farmacêutica, nas instalações das suas unidades, sem que isso comprometa o “impolutismo” em que temos que viver?
Terão que ser os profissionais de saúde a assegurar a sua actualização contínua? Sabendo que o custo da inscrição num congresso internacional ronda os 800 a 1000 euros, a que acresce a viagem, a dormida e a alimentação, passará uma dessas medidas pelo aumento dos salários por forma a custear estes avultados valores?
Será que se espera que esse apoio seja realizado através de fundações ou sociedades científicas? Sabendo que o circuito do dinheiro que era despendido pela indústria farmacêutica na formação era, até agora, relativamente fácil de ser escrutinado, não estarão a criar condições para que se utilizem alternativas menos transparentes?
O panorama actual está a colocar em causa, clara e rapidamente, a formação contínua dos profissionais do SNS e, em última instância, a qualidade da Medicina em Portugal e os cuidados que poderemos fornecer aos nossos doentes. Que respostas tem o Ministério da Saúde para implementar e ultrapassar esta situação ou irá ficar calado à espera que os problemas se resolvam por si?
Director do Serviço de Oncologia Médica do Centro Hospitalar do Porto