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CARTA ABERTA AO MINISTRO DA SAÚDE

A formação contínua dos médicos, bem como a dos enfermeiros e a dos farmacêuticos, é fundamental para qualquer organização de saúde mas é, acima de tudo, fulcral para os doentes por ela abrangidos, pois garante que lhes são fornecidos os melhores cuidados de saúde, segundo os mais elevados padrões de qualidade e de acordo com os conhecimentos mais avançados. É pela participação em eventos científicos a nível nacional e internacional que elevamos a Medicina portuguesa aos padrões a que hoje estamos habituados e que se comparam com os de todos os países desenvolvidos, quer a nível cirúrgico (com as cirurgias minimamente invasivas e com a cirurgia robótica), quer a nível da radioterapia (com a radiocirurgia, a radioterapia 4D e a possibilidade de, a curto prazo, se realizar em Portugal a radioterapia 6D), quer a nível de medicamentos (com a introdução dos medicamentos mais evoluídos a nível mundial, que permitem melhorar muito a qualidade de vida de inúmeros doentes crónicos e aumentar significativamente a quantidade da vida destes doentes).

Para quem não sabe ou pretende fazer de conta, a formação dos profissionais de saúde, após as suas licenciaturas ou mestrados, sempre foi, maioritariamente, assegurado pela indústria farmacêutica, quer através do patrocínio da frequência de cursos ou congressos quer apoiando a organização destes pelos serviços do Serviço Nacional de Saúde (SNS). No primeiro caso, os profissionais de saúde do SNS são obrigados a solicitar autorização ao seu director de serviço e ao conselho de administração da sua unidade de saúde, e a declarar esses patrocínios numa plataforma pública. No segundo caso, a relação entre o serviço que organiza o evento e a farmacêutica tem que ficar expressa na forma de contracto, entrando o dinheiro para as contas da unidade de saúde. Sempre que possível, a acção organiza-se nas instalações do centro que a promove, servindo o dinheiro que remanesecente para custear a formação e a investigação do serviço. O Ministério da Saúde e o SNS nunca tiveram nenhuma iniciativa para assegurar o necessário ensino contínuo dos seus profissionais, fossem eles médicos, enfermeiros ou farmacêuticos. Não têm nem nunca tiveram, nem estimularam, a que houvesse uma qualquer fatia do orçamento das unidades de saúde (que já de si é extremamente curto) alocado a este objectivo.

A partir de 01 de Janeiro de 2018 e fruto de uma directiva da Comissão Europeia, a indústria farmacêutica vai ser proibida de apoiar directamente a formação dos profissionais de saúde. Acresce, agora, que o Sr. Ministro da Saúde veio proibir as unidades de saúde do SNS de receberem dinheiro directamente das farmacêuticas e de ser possível organizar nas suas instalações eventos que tenham o seu patrocínio, entrando a medida em vigor já a partir do próximo dia 05 de Fevereiro.

Assim, urge questionar o Ministério da Saúde sobre qual o modelo que vai implementar, a partir de Fevereiro, que garanta a qualidade da formação contínua dos seus profissionais de saúde e, consequentemente, a qualidade da Medicina praticada por estes. Quais as medidas que a tutela já equacionou e vai implementar, desde o próximo mês, para garantir essa formação? Qual o orçamento que tem pensado para tal, quais as fontes de financiamento e como será feita a distribuição dos apoios? Como poderão os profissionais de saúde organizar eventos científicos apoiados pela indústria farmacêutica, nas instalações das suas unidades, sem que isso comprometa o “impolutismo” em que temos que viver?

Terão que ser os profissionais de saúde a assegurar a sua actualização contínua? Sabendo que o custo da inscrição num congresso internacional ronda os 800 a 1000 euros, a que acresce a viagem, a dormida e a alimentação, passará uma dessas medidas pelo aumento dos salários por forma a custear estes avultados valores?

Será que se espera que esse apoio seja realizado através de fundações ou sociedades científicas? Sabendo que o circuito do dinheiro que era despendido pela indústria farmacêutica na formação era, até agora, relativamente fácil de ser escrutinado, não estarão a criar condições para que se utilizem alternativas menos transparentes?

O panorama actual está a colocar em causa, clara e rapidamente, a formação contínua dos profissionais do SNS e, em última instância, a qualidade da Medicina em Portugal e os cuidados que poderemos fornecer aos nossos doentes.  Que respostas tem o Ministério da Saúde para implementar e ultrapassar esta situação ou irá ficar calado à espera que os problemas se resolvam por si?

António Araújo

Director do Serviço de Oncologia Médica do Centro Hospitalar do Porto

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