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“Adolescentes, álcool e mentalidade de grupo”

proibido vender alcool a menores

Nos últimos dias temos assistido a uma verdadeira telenovela-da-vida-real (sem qualquer tipo de desvalor para os envolvidos) . Os órgãos de comunicação social vão-se acotovelando, numa corrida desenfreada, para tentar obter o «exclusivo» “a” ou “b” ou “c” do episódio que envolveu jovens, MENORES, em Ponte de Sôr.

O caso, pela aparência dos factos, é um entre milhares. Não obstante, este, por envolver dois gémeos, filhos do embaixador do Iraque em Portugal, merece um destaque «especial» pelos nossos media. Ouvem-se «especialistas» em cada espaço noticioso, em torno da questão da «imunidade diplomática» de que – no caso português, por força da adesão à Convenção sobre Relações Diplomáticas, celebrada em Viena em 18 de Abril de 1961 e sua posterior ratificação pelo estado português através do Decreto-lei n.º 48295, de 27 de Março, de 1968, – nos termos do Art.º29º gozarão os gémeos, filhos do embaixador.

Têm sido relativizados, aparentemente, quer a condução ilegal – a ser verdade que um dos menores conduzia um automóvel – quer o consumo de álcool por menores (ainda que esta conduta não seja objecto de criminalização). Todavia, é precisamente por este último facto – por entender como, a médio-longo prazo, o mais grave – que quero discorrer algumas palavras, hoje.

Independentemente dos motivos – regra geral, fúteis, como o são sempre nestas circunstâncias – que estarão na génese destas agressões em particular, a meu ver, a questão de fundo – a relação álcool + menores – tem sido relativizada. E mal! O consumo de álcool por parte de menores, e a facilidade com que estes acedem àquele – CONSUMO DE ÁLCOOL POR MENORES – constitui enorme problema, actualíssimo, com tremendos reflexos no futuro. De todos. Que se vai agudizando. De muito difícil combate.

Vamos por partes. No «caso», em particular, de Ponte de Sôr, a certa altura, um dos gémeos agressores – MENOR ainda, em termos da sua capacidade civil, mas não, tanto já, em termos da sua responsabilidade penal – por exemplo no jornal Público, confessa: «(…)Haider Ali, que diz ter feito um teste de álcool nessa noite (e ter acusado 0,58), atribui o episódio a um descontrolo causado por “adolescentes, álcool e mentalidade de grupo”, e que todos, os irmãos e o grupo português, foram “vítimas das circunstâncias que facilmente acontecem em Portugal”.».

Admito que ao ler estas palavras, ainda que a frase seja curta, chego ao fim com muito pouco fôlego. «Adolescentes, álcool e mentalidade de grupo», proferidas assim, palavras frias e secas, por um MENOR – que mesmo oriundo de um outro país e de uma realidade social diferente – as assume como «circunstâncias que facilmente acontecem em Portugal».

Não vos provoca calafrios? Temos coragem para enfrentar tais afirmações? Que gerações futuras estaremos a criar?

Bem, procurando objectivar, o anterior governo – assim o entendo – inicialmente de forma um pouco, admitamos, arrojada, procurou um enquadramento legal, através do Decreto-lei n.º 50/2013, de 16 de Abril, para o REGIME DE DISPONIBILIZAÇÃO, VENDA E CONSUMO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS. Sumariamente, este visa mitigar, concretamente, o acesso e o consumo de bebidas alcoólicas por parte de menores, sancionando comportamentos contrários à lei, através da aplicação de coimas pecuniárias – ainda que estas me pareçam manifestamente pouco susceptíveis de contrariar tais comportamentos ilegais, desde logo por espaços nocturnos «da moda», e por conseguinte, com volume de negócios considerável – a aplicar ao estabelecimento que o faculte, conforme o art.º 8º, e/ou, cumulativamente e de forma acessória, uma putativa interdição (a qual até pagava para ver suceder), até um prazo que pode ir até 2 anos, nos termos do art.º9, alínea b), em casos de prática reiterada do(s) arguido(s).

Acontece que, em 2015, por força do DL n.º 106/2015, de 16/06 – de forma perfunctória, sem querer conjecturar em detalhe o circunstancialismo que motivou esta alteração legal – notamos a revogação da alínea b) do Art.º 3º do Decreto-lei n.º 50/2013, de 16/4.

Esta enunciava, passo a transcrever: «Art.º3. – 1 – É proibido facultar, independentemente de objetivos comerciais, vender ou, com objetivos comerciais, colocar à disposição, em locais públicos e em locais abertos ao público:
b) Todas as bebidas alcoólicas, espirituosas e não espirituosas, a quem não tenha completado 16 anos de idade; (…)».

Não concordando com a revogação, escalpelizando um pouco, possivelmente tal terá como fundamento o estudo que o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências elaborou, conforme preceituado na lei. Prosseguimos; lemos a exposição dos motivos desta alteração legal operada pelo DL n.º 106/2015, de 16/06 e, a certa altura, entre outros, deparamo-nos com: «(…)Está demonstrado que a precocidade do início de consumo é responsável por uma maior probabilidade de ocorrência de dependência alcoólica, assim como de consequências diretas a nível do sistema nervoso central, com défices cognitivos e de memória, limitações a nível da aprendizagem e, bem assim, ao nível do desempenho escolar e profissional.(…)». Óptimo. Trilhamos um caminho interessante quanto a motivos para alterações legais. Continuando. Verificamos que uma vez elaborado tal estudo, constatou-se que «(…)No consumo recente, destacam-se as bebidas espirituosas e a cerveja, com a tendência de manter a frequência dos consumos, incluindo de bebidas espirituosas entre os menores de 18 anos, sendo que foram os jovens de 16 anos, em particular, os que mais mencionaram um aumento da facilidade de acesso a bebidas alcoólicas, com qualquer graduação de álcool.». Motivos sustentados de forma científica. Mas, esperem lá. Terei lido mal?

O que é que não bate certo aqui? Lida a exposição de motivos, confrontada com a alteração operada, revogando-se, in casu, a aludida alínea b) do art. 3.º, «Alguém percebe a revogação da aludida alínea??» Rebuscado, mas, Venire contra factum proprium do próprio legislador? Qual é a ratio legis desta alteração?? Lapsus calami? ScriptaParece-me que ninguém lê o que escreve lá nos escritórios de advogados que fabricam estas preciosidades jurídicas que depois, vertidas em lei, temos de respeitar. Queixamo-nos da ineficácia legal. Pois… vá-se lá perceber porquê.

Voltando, e para finalizar, ao mote desta opinião. «Adolescentes, álcool e mentalidade de grupo»: até quando continuaremos apaixonados pelo momento mediático de circunstância voltando a assobiar para o lado assim que os órgãos de comunicação social determinem o fim da telenovela-da-vida-real?

O problema «Adolescentes, álcool e mentalidade de grupo» não se extingue com o fim desta notícia. Muito menos com alterações legislativas sem nexo como a exposta. Está ao virar da esquina, todas as noites. Abramos os olhos. Sejamos exigentes. Temos no presente este caso do Rúben. No futuro pode envolver o nosso filho. Ou neto….

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