Começo por dizer que há mais de catorze anos sou contra a municipalização da educação, quando à época se começou a falar no assunto, estávamos no Governo do Engº José Sócrates. Considero que é um presente envenenado que deram aos Municípios e que agora fazem disparar os custos com o pessoal. Disto dei conta ao longo destes anos, seja a nível autárquico seja noutros fóruns. E aqui permitam-me que refira a minha experiência de doze anos como Presidente de uma câmara municipal, membro durante mais de uma década do Conselho Geral de um agrupamento, mais de sete anos como presidente de uma Associação de Pais com mais de 1681 alunos, e mais de sete anos tendo acesso ao Conselho Municipal de Educação.
A Educação é um fator de igualdade. A Escola Pública assume um importante papel de vitalidade da democracia e da promoção de um ensino de qualidade, universal, gratuito e para todo, consagrada que está na Constituição da República Portuguesa como responsabilidade do Estado. Salvo melhor opinião, o caminho que a administração central está a seguir não é o melhor, nomeadamente o da municipalização da educação.
Em 2008, com o início da descentralização de competências da educação para os municípios, esta fez com que as Autarquias assumissem competências, nomeadamente em matéria de gestão de pessoal não docente, que tem resultado em grandes dificuldades para as escolas, devido à insuficiência de meios humanos qualificados.
O Estado nunca deveria transferir o pessoal não docente para as Autarquias, sem ter a casa arrumada. Não é transferir agrupamentos, escolas ou Jardins de Infância sem funcionários e depois as câmaras que os contratem. Para além de ter entregue edifícios (equipamentos escolares), em muitas situações, que necessitam de obras, o Estado vem com o apoio via fundos comunitários, mas as Autarquias não têm o financiamento a 100%, existindo aqui uma componente financeira muito forte que penaliza as autarquias. Para além de que vivemos um momento de incertezas a nível de obras públicas, com o disparar dos preços e a ausência de empresas a responderam aos concursos, o que faz arrastar no tempo a requalificação do parque escolar.
O único objetivo de fundo, com esta delegação de competências, é o desmantelamento das funções sociais do Estado, onde se incluem os processos de concessão e privatização da educação, através dos municípios, das CIM´s e dos financiamentos e orientações comunitárias, que levarão à criação de sistemas educativos a funcionar a velocidades diferenciadas e a respostas educativas ao sabor do maior ou menor perfil, sensibilidade ou capacidade de cada município. Por exemplo em matéria do SIADAP se um funcionário por exemplo, num qualquer agrupamento não concordar com a classificação atribuída pela direção do agrupamento, sabem para quem vai recorrer? Para o Executivo Municipal. E este o que faz liga à direção do agrupamento a pedir a opinião. E acham que o poder politico municipal vai contrariar a decisão da direção do agrupamento ?
Quem vai transferir o dinheiro para os encargos com os FSE´s-fornecimentos e serviços externos ? As verbas transferidas do Estado Central para a autarquia não cobrem todas as despesas de pessoal ou as necessárias à reabilitação dos edifícios escolares. Não cobrem por exemplo os seguros de acidentes de trabalhos. Não cobrem as atualizações salariais por força das requalificações ou subidas de escalão. Os próprios recursos humanos dos Municípios terão de ser reforçados com a contratação de assistentes administrativos para corresponderem ao acréscimo significativo de funcionários, vindos das escolas, a integrarem o quadro de pessoal das autarquias. Por outro lado, os rácios dos funcionários que cada escola/agrupamento deve ter em termos de assistentes operacionais continuará a ser decretado pelo Governo (existe sempre, anualmente, uma portaria governamental para o efeito).
Neste momento o Governo limita-se a dizer que as verbas que estão a ser transferidas foram as acordadas com a ANMP. Na minha opinião o Governo está a passar responsabilidades sem o devido envelope financeiro. Digo isto porque, por exemplo no caso, os Municípios vão, em 2023, assumir custos nesta área sem o respetivo apoio do Governo no âmbito das competências transferidas na educação. Por exemplo, num município que conheço bem, em Castelo de Paiva, vamos ter encargos adicionais de 224 mil euros na valorização das carreiras, 245 mil euros nos aumentos previsíveis do salário mínimo, entre outros valores. São mais de 500 mil euros que vão sair do orçamento municipal, sem qualquer cêntimo recebido do Governo.
Outro exemplo, em Castelo de Paiva, é não fazer sentido ser a CMCP a suportar os custos da remodelação da antiga EB 2/3 de Sobrado e da EB 2/3 do Couto Mineiro, quando as obras necessárias deveriam ter sido feitas pelo Governo, e só depois delas realizadas transferia estas Escolas para a autarquia. Ainda há poucas semanas a CMCP teve de gastar mais de 800 euros em utensílios fundamentais para a cozinha pois a escola foi entregue ao Município sem esse material ou material velho.
Tudo isto acrescido da questão dos transportes escolares, que como sabem são 100% suportados pelas autarquias locais, sem qualquer apoio governamental. Acima de 3 kms as autarquias têm que disponibilizar transporte.
Vão ser criadas verdadeiras injustiças entre os trabalhadores escolares e os municipais. A avaliação de cada um e os recursos que estes possam vir a fazer vai ser outro problema. Por outro lado, a admissão de funcionários vai estar mais exposta à chamada cunha política do que à meritocracia.
Na minha opinião, e em matéria de Educação cabe ao Estado assumir todas as suas responsabilidades, condição indispensável para concretizar uma Escola pública, gratuita, de qualidade, democrática e inclusiva.
Isto não é descentralizar. Isto é (re)centralizar, é criar um novo patamar na administração educativa, burocratizando e complicando ao passar parte das competências das escolas para as autarquias e deixar ainda mais débeis os orçamentos municipais, principalmente daqueles municípios como o nosso com escassas receitas.