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Rio, Santana, Pedro Duarte e a reconfiguração do centro-direita

Os últimos dias abanaram o espaço político do centro-direita.

O ex-primeiro-ministro Pedro Santana Lopes assumiu em definitivo a saída do Partido Social Democrata. Neste momento, estará a escrever a declaração de princípios do novo partido que pretende ter formado até ao final de Setembro.

No mesmo dia, Pedro Duarte, antigo Secretário de Estado e actualmente Director da Microsoft, numa entrevista ao Expresso, afirmou que “o PSD, tão cedo quanto possível, deve mudar de estratégia e de liderança”, reconhecendo a ruptura com Rio e a disponibilidade para assumir a liderança do PSD.

Por sua vez, o actual líder do PSD, Rui Rio, anda há cerca de 15 dias desaparecido em combate. Este sepulcral silêncio estende-se aos “ministros-sombra” e aos seus porta-vozes – mais de cinquenta –, que nada dizem sobre o estado do País. É relevante que último facto político digno de nota tenha sido a apresentação do novo cartão de militante. Isto diz muito da agenda política do líder do partido, quando nos últimos dias esteve activo um grave incêndio em Monchique, que causou prejuízos materiais avultados com um forte impacto na economia municipal. Do líder do PSD, dos seus “ministros-sombra” e dos porta-vozes nem uma palavra com a excepção de uma breve declaração do vice-presidente, David Justino. Talvez todos estejam de férias num daqueles cruzeiros para seniores – com dificuldades de comunicação – em pleno mar do Caribe.

A última aparição pública de Rio aconteceu no fim do mês de Julho, quando marcou presença na tradicional festa de Verão do PSD- Madeira. Foi com surpresa que se ouviu Rio dizer que, após passar no Chão da Lagoa, se sentia preparado para ser Primeiro-Ministro. Pensava que não era necessário este estágio.

Mas as surpresas não ficaram por aqui. Rio, que sempre apresentou como “cartão de visita” as “boas contas”, surpreendeu o país ao elogiar Alberto João Jardim. Disse do antigo Presidente do Governo Regional da Madeira que, “se em vez de um Alberto João Jardim, nós tivéssemos tido quatro ou cinco Alberto João Jardins por esse país fora, o que não era Portugal hoje face àquilo que é”.

Independentemente dos méritos de Jardim – e são muitos –, estas declarações do ex-Presidente da Câmara Municipal do Porto são a sua própria negação.

Os últimos meses têm demonstrado um Rui Rio impreparado para ser líder da oposição, que tem percorrido um caminho ziguezagueante e simultaneamente errante, que não tem permitido a afirmação do PSD junto dos portugueses. E as sondagens mostram isso mesmo.

É visível uma notável insatisfação com a liderança de Rio, para não dizer mesmo uma desilusão. Um PSD pouco ambicioso, com um líder que parece satisfazer-se com o lugar de Vice-Primeiro-Ministro.

O “mito Rio” morrerá antes de ir às urnas. Só o próprio mito não o percebeu.

Mas a saída de Santana Lopes também não vem ajudar Rio.

O ex-Primeiro-Ministro tem um capital político próprio, conquistado ao longo de 40 anos de vida pública e política. Santana sempre mostrou ter uma enorme capacidade de auto-regeneração, mas o futuro partido pode correr o risco de ser um partido de um só homem. Esta opção será meio caminho para ser um partido que estará condenado ao insucesso à nascença. Acredito que Santana não vai cair nesta tentação.

O sucesso do novo partido vai depender muito da forma como se vai apresentar aos portugueses, mas também daqueles que vão ser os seus principais rostos. Do enunciado da sua declaração de princípios e da capacidade de reunir quadros credíveis que transmitam uma ideia clara de renovação. E, se assim for, contem com Santana Lopes para o combate político.

Mas mais que a anunciada saída de Santana Lopes, a entrevista de Pedro Duarte ao Expresso colocou o dedo na ferida. Tornou evidente uma insatisfação que era latente e que se vinha acentuando todos os dias com a liderança de Rui Rio.

Do ponto de vista estratégico, Pedro Duarte foi brilhante, deixando embaraçados os outros putativos candidatos, nomeadamente, Luís Montenegro, aparentemente o mais bem posicionado de todos. Do ponto de vista político, não ficou pelas meias palavras. Disse com clarividência o que muitos militantes pensam sobre o actual PSD.  Foi o primeiro assumir a ruptura com Rio, com coragem que não está ao alcance de todos.

Mas Pedro Duarte, que foi o director da campanha presidencial de Marcelo Rebelo de Sousa, fê-lo com a autoridade de quem pode falar de uma inequívoca renovação geracional. Com a vantagem de quem construiu uma carreira profissional de sucesso na maior empresa do mundo. De quem não precisa da política para nada. De quem se disponibiliza para servir o seu País e não para se servir da política.

Na entrevista, é notório que Pedro Duarte pretende fugir dos estereótipos ideológicos que estão datados no tempo. Afasta-se da tradicional divisão esquerda/direita, que hoje faz pouco sentido para as pessoas e que apenas se mantém por tradição ou um por um pseudoconforto.

Pedro Duarte, que também preside ao Conselho Estratégico para a Economia Digital da CIP, traça como objectivos dar resposta às questões actuais e futuras da sociedade. As suas preocupações estão muito à frente daquelas que estamos habituados a ver nos políticos convencionais.

Estas mudanças gerarão uma nova configuração no centro-direita da política portuguesa. Algo a que este espaço político não estava habituado mas que aconteceu à esquerda com o aparecimento do Bloco de Esquerda.

O novo partido de Santana Lopes poderá chegar bem acima daquilo que até agora falam as sondagens. Um Partido Social Democrata de Rio que mantendo-se no actual caminho não se distingue do PS estando condenado a fazer o pior resultado da história ou um PSD liderado por Pedro Duarte que poderá conseguir alargar a sua base de apoio – captando eleitorado, nomeadamente nos mais jovens, transversalmente da direita à esquerda – através de um projecto político moderno virado para os novos tempos.

No meio de tudo isto fica um CDS de Cristas que pode perder apoios em toda linha se não conseguir descolar de um certo populismo que poderá ter os dias contados com esta nova reconfiguração do centro-direita.

Uma coisa é certa. Um novo governo de centro-direita não será mais a dois – PSD e CDS – tendo que contar com a palavra do novo partido de Santana.

Tempos e desafios interessantes que aí vem para acompanhar com atenção.

Paulo Vieira da Silva
Gestor de Empresas / Licenciado em Ciências Sociais – área de Sociologia

(Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico)

Nota: Artigo publicado no Portal de Noticias do Grupo Editorial Impala no dia 14.08.2018 com uma pequena adaptação.

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