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«E o Pirata sou eu?? E o estado complacente com soluções inconstitucionais, é o quê?»

mapinet

Aproveitando o hilariante episódio, que esta semana conhecemos, envolvendo a denúncia por pirataria operada pela Warner Bros à Google, de sites e links da sua própria empresa WB e/ou similares do ramo; rejubilando com a celebração do primeiro ano de vigência do – famosomemorando de entendimento (MAPiNET + IGAC + operadoras), hoje apetece-me escrever umas breves notas sobre o dito cujo.

«MAPiNET – Movimento Cívico Anti Pirataria na Internet, congratula-se com o acordo assinado para a proteção do direito de autor e direitos conexos, realizado no dia 30/07/2015 com o patrocínio da Secretaria de Estado da Cultura. Este acordo, que é histórico a nível mundial.».

Assim começa uma história, à margem desde logo da Constituição, seguidamente da lei, de “autorregulação”, “histórico a nível mundial”, ““modelo a copiar”” – tentem não rir, por favor! – , patrocinada pelo anterior governo, cujo conteúdo – essencialmente veiculado através de um criterioso marketing (atentemos nas organizações que o assinaram!) – nos vai sendo dado a conhecer, possui o condão – mágico mas inconstitucional– de nos fazer…corar! Sim, é verdade. Existe este MoU (sigla derivada do anglicanismo da expressão, que traduzimos para memorando de entendimento); existe sem qualquer tipo de controlo judicial (vide, só por comparação, o apetite já posto a cirandar – não a circular –  em 2009); e, existe, bloqueando sites –bloqueio operado no dns- em Portugal, fazendo-o à velocidade da luz , de forma inconstitucional e ilegal, com que os pratica

Paremos um pouco no tempo. Em apologia – e completo respeito – a este MoU e ao que representa. Recuemos a esse 2009. Na França, «das liberdades», Sarkozy vivia num fundamentalismo-censório-da-internet. É preciso parar a «pirataria». Como se daí surgisse o ovo-de-colombo para a protecção dos autores. Vai daí, procurou o abrigo, numa tal de Lei Hadopi.

Pela natureza livre e aberta da rede – aqueles conceitos em que a internet em si mesma considerada se foi construindo e massificando – rapidamente esta bandeira-de-libertação-da-pirataria vira alvo de chacota. E de censura jurídica. Surpreendente e naturalmente(risos). Leva, primeiro, uma valente reprimenda do Conselho Constitucional francês, pois que «“a Internet é uma parte do direito de liberdade de expressão e consumo” e “no direito francês, é a presunção de inocência que prevalece”.». Seguem-se, não necessariamente por esta ordem, o TJUE, ainda que de forma indirecta – mas como sério aviso – primacialmente, via Acórdão Scarlet Extended (C70/10), de 24/11/2011, na parte em que a monitorização da rede por privados – mesmo que na salvaguarda de direitos patrimoniais –  é facto contrário à Lei; e, ainda, pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, num estudo elaborado por Frank La Rue, na qualidade de relator especial para a promoção e proteção do direito de liberdade de opinião e de expressão, com o qual arrasa as medidas draconianas – que negam o direito de livre acesso e fruição da internet ao cidadão – contidas nessa, entre outras, Lei Hadopi.

Paradoxalmente ou não, esta tal de Lei Hadopi – nos moldes obtusos em que estava redigida – fosse pelo custo que representava para os cofres públicos, fosse pelas constantes posições juridicamente censórias que o Conselho Constitucional proferia – já caiu em França.  Ainda que tenha renascido um apetite hadopiano pelos finais de 2014, a matriz de inspiração lusa para o nosso MoU esmoreceu, lá por fora.

Mas, por cá, não. Somos «vanguardistas» nestas coisas. Tão vanguardistas que de nada, todavia e pelos vistos, valem tais factos internacionais. O modelo de «autorregulação» português introduzido no ano passado, continua o seu caminho. Naquele seu autismo característico, a razão de todo o mal – o qual é preciso combater com medidas efectivas duras – está em frente ao teclado e ao monitor. Aliás, parece-me, inclusivé, que a solução boa passará por cortar todo e qualquer acesso à internet. Só assim é que acabamos – de vez – com a pirataria. Mesmo que este facto seja inconstitucional, se consubstancie num impedimento do livre e pungente Direito à Internet – resumidamente, maxime Art.ºs 26/1 e, essencialmente, 35/6 da CRP – seja o maior aborto para-legal que o anterior executivo legou, e o novo nada faz para expurgar.  Mesmo que seja inconstitucional, que actue à margem da lei – cujo “juiz” do caso, na apreciação dos, eventuais, conflitos e/ou tensões entre direitos fundamentais, é uma tal de Inspecção Geral de Actividades Culturais – para este MoU o que importa mesmo e só é a salvaguarda do direito de autor. Ainda que a receita estimada – nem nunca a efectiva(quanto??) – derivada do combate à pirataria almeje sequer chegar aos autores…

Termino com três breves interjeições, básicas. Será difícil perceber isto,

Caso para perguntar: «E o Pirata sou eu?». Então, e o que dizer do estado complacente com soluções inconstitucionais? Isso é o quê?

 

 

Nota: Imagem retirada do sítio da internet: http://www.mapinet.org/site/

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