Blogue Insónias

O ódio e a prisão

Um jantar. Coletividade, exposição pública, oportunidade para denegrir terceiros. A visão: no coro da despeitada, vocifera o ódio a seu ex-marido. Em quatro horas no jantar de “confraternização” no restaurante, três foram destinadas à exposição de seu ex-amor: “Canalha”, “bandido”, “lhe dei os melhores anos de minha juventude”, “vagabundo”, “vivia fazendo falcatruas”, “só quis me usar para projeção social”, “adorava usar meus vestidos e calcinha”. Durante o jantar, quando um indivíduo se cansava de ouvir a ladainha, ela escolhia outro, depois outro, mais outro até que, ao final, juntam-se outros dois na odisséia das lamentações. Ao imaginar o fundo musical adequado ouça “Vingativa”, das Frenéticas, ou “Eu não sou cachorro não”, de Waldick Soriano.

O amor travestiu-se de ódio e a regra é o despeito. Vingança, necessidade de destruir o passado, mesmo que nesta empreita o indivíduo não perceba às claras que ele se destrói. Se destrói por ficar escravo do amor que se travestiu de ódio. Este é o despeito, que torna infelizes seres outrora desagradável convívio. Belicosidade, raiva e necessidade de acabar com quem conviveu na fofoca e maledicência. Existem despeitados na área afetiva, na vida acadêmica, em relacionamentos profissionais em todos segmentos da existência.

Todo despeitado não aceita perder, e quanto maior o despeito maior a responsabilidade no passado pelo fim da relação: quem não deve não teme, refaz a vida com serenidade. Já o despeitado, devido a seu imenso ódio, afasta qualquer nova possibilidade de amor ou de relacionamento construtivo, normalmente projetando no novo candidato a ganhar seu coração todo amargo veneno de sua ira, o que se transforma em neurose de convívio, uma eterna prisão, para situações sociais e afetivas.

Indivíduos de personalidade vingativa não sabem a essência da palavra amor e respeito; não respeitam seu próprio passado. Se o antigo parceiro , ou antigo trabalho , era assim tão ruim, por que o convívio durou anos? Por que não esquecer.

Uma das maiores prisões da consciência humana é o ódio. Quem odeia torna-se escravo de seus instintos, um predador que, na falta de carne de terceiros, digere sua própria vida em fúria. Vira um escravo  da situação que odeia, destinando-o boa parte de seu tempo ficando preso no passado. , ações, pensamentos: Inveja, raiva, sadismo, intolerância à frustração fazem parte dos ingredientes deste veneno que, no dia a dia, azeda a vida, especialmente de quem ostenta o despeito como um “estilo de vida”.

Falar mal do passado é denegrir a própria imagem. É um atestado social e imaturidade afetiva. Um atestado acentuado na fixação do papel de vítima “inocente”.  

Piorando toda a situação, boa parte dos despeitados públicos, com o passar dos anos, tenta “reconquistar” quem amou, ou voltar ao emprego . Reencontros na jornada da vida são comuns, menos para um despeitado. Tentar ressuscitar um jardim que foi pisoteado nem sempre é possível. Mais fácil falar mal dos outros e das situações que reconhecer os próprios erros…

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