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Democracia? Com que democratas?

A Democracia é hoje, em quase toda a Europa Ocidental – a sua Pátria natural – América, alguns países da Ásia e Oceania, uma verdadeira filosofia, uma religião, um modo de estar no Mundo, uma forma de governo, sem o qual a vida dos cidadãos não seria a mesma. Fundada, tal como a conhecemos, nas palavras mágicas da Revolução Francesa: liberte, égalité e fraternité, acabou por conduzir a classe média ao comando político, contra a vontade esmagadora de banqueiros e da aristocracia de então.

Nesses distantes anos dos finais do sec. XVIII a “liberdade” exprimia a libertação face à tirania feudal, com a sequente admissão da classe média, em pé de (virtual) igualdade com a aristocracia e o clero. A fraternidade significava a livre entrada dos banqueiros, pedreiros, industriais, comerciantes…nos opulentos salões, frequentados pela nobreza e pelo clero. Contudo, por muito estranho que eventualmente pareça, o pai da moderna “teoria democrática” excluía do direito de voto tanto os homens não proprietários como as mulheres. Na sua concepção filosófico-política na palavra “Povo” não cabia tal gente. E a verdade é que a primeira Constituição, elaborada pela Assembleia Revolucionária, trilhou tais caminhos, negando o direito de voto a três quintos dos machos adultos da França de então. Mas também a América, até aos dias de Andrew Jachson, foi um país onde a propriedade constituía um requisito para o cidadão ter direito ao voto.

De imediato se perceberá que, originariamente, a Democracia significava tão-somente o governo dos proprietários. E, ao fim de dois séculos e duas décadas verificamos hoje que, comparativamente, mais do que no passado, é uma “aristocracia económica e financeira” – herdeira da outrora famosa burguesia rebelde – que define e controla, em conformidade com os seus interesses presentes e futuros, as grandes opções políticas e o futuro de países e do Mundo, bem o como e onde deverão funcionar as democracias.

Hoje, com o advento das comunicações fáceis e das novas tecnologias ao serviço das telecomunicações, o isolamento nacional, mesmo de países antidemocráticos, dominados por musculadas ditaduras autocráticas de partido único, está completamente ameaçado e a ser derrubado, também em consequência das novas dinâmicas do comércio mundial, que muito contribui para a invasão de engenhos e equipamentos, que facilmente colocaram em “perigo” tais regimes. Por muito que desagrade aos ditadores do mundo, a Democracia é – para o bem ou para o mal das sociedades contemporâneas – cada vez mais, dominada pela liberdade económica que, em cada dia que passa, se torna mais e mais rara: bastará atender à crescente onda de fusões e aquisições que (perigosamente) ocorrem na cena da economia global.

Ora, num Mundo em que há sérias e fundadas certezas – tal como aquelas que os cientistas há muito têm sobre o aquecimento global e os seus nefastos efeitos para a sustentabilidade do planeta Terra – face ao acentuado e galopante desaparecimento da verdadeira e autêntica liberdade de competição, a igualdade de oportunidades, a fraternidade social, a igualdade política e sequentemente o estado das liberdades, garantias e direitos, construídos com sangue suor, lágrimas, perseguições, muita repressão, etc., por Homens e Mulheres livres, há muito que deu sinais de estar ameaçado e em eminente perigo de se desmoronar, tornando a democracia, nomeadamente na Europa – caso continue entregue a esta “gente” – uma mera sombra ilusória.

Esta vertiginosa destruição da democracia, por via da tão mediática e reclamada liberdade económica, que apenas tem contribuído para o agravar das já reconhecidas gritantes desigualdades sociais, só faz o seu caminho, à custa de toneladas de hipocrisia, produzida pela classe política nos países com maior protagonismo mundial. Exactamente os mesmos com responsabilidades na construção dos “novos impérios”desenhados à escala dos interesses da nova ordem económica mundial: Estados Unidos da América, China, Índia, Rússia e Europa. A experiência feita nos sucessivos ciclos da História Internacional tem demonstrado o quanto as grandes populações são mais facilmente manipuláveis do que as pequenas, porque apesar dos movimentos e organizações não-governamentais a inércia instalada, conformada e sabiamente alimentada é muito maior e há inimagináveis dificuldades de acordo, para acção comum de busca de mais Dignidade Social, Política e Económica e, consequentemente, melhor liberdade. Já Cleon, Péricles e Cícero consideraram a Democracia como um entrave e um inconveniente para o crescimento e afirmação dos impérios.

Em Portugal, bastaram poucos anos para os portugueses se darem conta que, com a naturalidade mais atrevida, nasceram, cresceram e desenvolveram-se autênticas “máquinas”dentro dos partidos, dos congressos, do parlamento: esta jovem democracia ascendeu à condição de mãe gestadora das oligarquias nacionais contemporâneas. Enquanto o eleitor está concentrado – levanta-se e deita-se – a pensar no “pão-nosso de cada dia”, para alimentar a sua família e satisfazer as necessidades identificadas na tão famosa pirâmide de Maslow, o que o obriga a afastar-se do convívio diário com o conhecimento dos mil e um problemas, que nascem à hora, dentro do seu partido, país, concelho ou até mesmo paróquia, o que fazem os seus directos representantes? A resposta está no estado da Democracia. Ora, é isso mesmo: a Democracia tornou-se no governo dos que muito pouco ou nada sabem e quase tudo ignoram, porque eles não conhecem e muito menos conseguem (ou estão interessados) em responder às mais importantes e prioritárias questões, que estão na ordem do dia da discussão democrática.

Por outro lado, é constatável que um dos maiores perigos e ameaças à Democracia está na guerra. Há 200 anos Tocqueville, o génio filosófico e político que redigiu a Constituição dos EUA, previu que a América se afastaria e abandonaria os terrenos da Democracia no momento em que ela se começasse a imiscuir na política e nas vidas e guerras de outros países. Ora, é sabido dos manuais de Ciência Política que a Democracia é um luxo, que só pode conservar-se num mundo moderadamente seguro e pacífico. Tal como os conselheiros, ideólogos e “spin doctors” do híper patético Mr. Bush e agora do “perigo público” Mr. Trump, os reaccionários-militantes há muito que perceberam isso e, de quando em vez, produzem uma guerra que baixe o nível da população ou discipline a vontade nacional, ajustando-a aos seus secretos desígnios. A Democracia não é um remédio para a guerra; a guerra sim, é um remédio para a Democracia. Mas como a guerra pode assumir múltiplas e variadas formas, convirá sempre não esquecer que foi nos EUA que foi criado o terrível vírus do HIV/Sida, justamente com o propósito de eliminar “excedentários” em África.

Apoiados no pensamento de Russell sobre a Democracia, concluímos que a impreparação e a ignorância dos Homens tem, quase sempre, um mau resultado para a Democracia, empobrecendo-a nos seus limites estruturais: é o resultado que se obtém quando se conduz a imprudência ao poder. A última e derradeira causa da falência da Democracia – com natural enfoque para os EUA e para o mundo Ocidental – está na crescente “ignorância das massas”. Inúmeros testes de inteligência confirmem os resultados de inúmeras eleições ocorridas nestes últimos 16 anos. A teoria democrática presume (e muito mal) que o homem, em sentido universal, é um animal racional, mas como se tem visto é muito mais dado a emoções e afectos. A verdade é que a prática se encarregou de nos provar e ensinar que o homem é animal emocional e só ocasionalmente raciocina: e nada mais fácil do que enganá-lo, falando-lhe ao coração, especialmente com promessas de “vida fácil” e de zero sacrifícios.

Todos sabem que ninguém consegue enganar um povo eternamente, nem mesmo com “pão e circo” ou então com “papas e bolos”, mas a verdade é que o número de tontos com cartão de eleitor é incontável e, por meio de sofisticados meios e técnicas de manipulação, um grande (?) país como Portugal pode ser dominado por muito tempo, por ideias e por práticas supostamente democráticas, que apenas o conduzem a um poço sem fundos. E neste domínio, creio que a História, lá fora como cá dentro, já se repetiu demasiadas vezes, com resultados muito negativos no nosso futuro colectivo.

É mais do que tempo de aprendermos o verdadeiro valor da Democracia e das imensas riquezas que ela contem, se efectiva e realmente queremos ser felizes e fazer do planeta Terra um lugar sério, decente, transparente e razoavelmente bem frequentado.

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