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A Copa 2018 ou “Não, o futebol não é uma caixinha de surpresas”

Para Sayuri Koshima que ama frequentar copas

Não é mesmo. Aqui, no Brasil, afirma-se o contrário do que neguei nesse título. Justo aqui, onde o futebol sobrevive, e do passado, das suas cinco estrelas conquistadas mercê da glória e do poder investidos ao rei Pelé, mais a ingenuidade corajosa do anjo Garrincha, somadas, amparadas pela não pouca harmonia de times inteiros. Depois de já plantada a fama, tivemos a sorte de um baixinho bem arrogante que sabia fazer gols; hoje é político, e como todo o político brasileiro já não faz mais gols. Mas esse tinha o Bebeto, e um time que sabia se defender. Depois da quarta, veio a quinta, pelos pés do nosso Ronaldo, que bem diferente do Ronaldo português é um sujeito à brasileira, carioca, e embora tímido, de muita festa – um simpático de excessos -, que contava com um dos melhores do mundo, Rivaldo, e mais nove em 2002. Todos com um time, até o rei, até o anjo.

E que dizer da força consciente da noite em que Eusébio venceu Puskás e Di Stefano, do Real Madrid, por 5 a 3? Com esses craques em campo, só poderíamos ter o belo espetáculo que tivemos e nada mais. Nem foi surpresa quando a Argentina, nos pés e nas mãos de Maradona, ou de Deus, venceu os ingleses, ganhando a copa de 1986. Nada disso é surpresa, até porque, como obra divina, nem o VAR anularia aquele gol.

Nem mesmo o 7 a 1, na famigerada copa de 2014, trazida à luz por muita corrupção, saiu de uma caixinha de surpresas. Um time grosso, desfalcado de seu ícone, por uma falta gravíssima, jogou um jogo estúpido e desconectado, que o futebol latino-americano tem jogado por várias forças ocultas, que nestas plagas tudo dizima e apodrece. Uma exceção, diga-se da dupla mágica, do Uruguai, que também desfalcada por lesão, perdeu, neste julho, a dupla Cavani e Luizito que tanto se completavam – o que fez da vitória da França uma coisa anunciada. Alguns dos gols do 7 a 1, foram tomados com distância de segundos, o que prova a inépcia e a inconsciência dos brasileiros que estavam em campo.

Nesta copa, considerada atípica não temos, em verdade, muitos segredos. Poder-se-ia dizer que a saída da pródiga Alemanha e da contida Espanha fossem surpresas, mas não são. Tanto é assim que a imprensa alemã só perdoa o goleiro Neuer, enquanto condena com veemência os campeões, que dessa vez decidiriam não jogar. Como a Espanha é sovina em gols, não sabe vencer retrancas.

O fenômeno da retranca já não espanta ninguém. Quando não se tem um bom time, pode-se sempre contar com a retranca. A retranca é feia, mas não é pecado; ela é o recurso que até os times vitoriosos têm usado depois de fazer um ou dois gols modestamente. Contudo, ainda assim, com essa letra dada, os treinadores e os jogadores não aprenderam a lidar com esse óbvio muro.

A verdade é que o melhor sempre vence. Mesmo que seja a melhor retranca. Ocorre que, o Sobrenatural de Almeida, às vezes, entra em campo, mas só às vezes. E como ensinou-nos seu descobridor, Nelson Rodrigues, ele pode carnavalizar tudo. Às vezes, não sempre; não a ponto de fazer a batida frase valer, apesar de estar ele sempre escalado para o banco de reservas e pronto para jogar. Não, o futebol não é uma caixinha de surpresas. A Coréia do Sul ganhou de um time de tão baixa vontade quanto era alto seu salto, desde o primeiro jogo contra o México, acrescente-se. Da Espanha já falamos, sejamos econômicos como o seu tiqui-taca.

Voltemos ao rei e ao anjo. Para provar a teoria, tenho um argumento empírico e curto: nunca Pelé e Garrincha, jogando juntos na nossa seleção, perderam um só jogo. Dado bem eloquente.

E a Croácia?

A Croácia fez um jogo inteligente e conta com talentos individuais. Portanto merece estar na final. Talvez não ganhe da França que, perdoem-me os Belgas, tem o melhor time, usando sol quando houve sol e retranca quando houve chuva. No entanto o sobrenatural de Almeida pode sair do banco para brilhar. No caso da vitória Croata, talvez, nem seja esse o caso. Mesmo porque eles se fecham, caçam gols e têm muita vontade – coisas que evidentemente, sem surpresas, vencem jogo.

É claro que há um favoritismo, mas esse sim é uma caixinha de surpresas, porque não raro o favorecido pode se comportar muito mal. Veja-se que a excelência no futebol invade o campo da Moral. Ademais a Croácia, mesmo na sua chave light, tem se comportado como um time, não desconhece, como uns e outros, que o futebol é um esporte coletivo. Tanto é assim que a solidão em brilhantismo de Cristiano Ronaldo e Messi não faz milagres, não obstante seus tantos espetáculos e conquistas importantes.

Já o nosso futebol, latino-americano, vem morrendo como tudo na América Latina, e não é de se espantar, uma vez que não temos nada que custe dinheiro ou necessite de inteligência e integridade – somos pobres e enganados e estilhaçados – muito enganados e desde sempre. No passado, precisamos de um rei e de um anjo para dar-nos dignidade, hoje, já não sei como se levanta a cabeça de um brasileiro. Quase sempre tenho terminado meus textos chorando o Brasil, mas é que a coisa é profundamente feia por aqui. E sinto que agora já escrevo como quem escreve cartas ao segredo do mar, sem destinatário.  Contudo, eis que tenho, os leitores, que possivelmente querem saber o final dessas opiniões futebolísticas. Assim, já vou direto ao fim, por medo de maior divagação. O futebol não é uma caixinha de surpresas, só se a surpresa for sempre a mesma dentro de todas as caixinhas, dando França ou Croácia amanhã.

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