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Austrália, o amigo interesseiro de Timor-Leste!

Por estes dias nas ruas de Dili assistiu-se a uma enorme manifestação do descontentamento timorense sobre o transferir (1)desprezo diplomático que a Austrália votou à questão das fronteiras marítimas entre Timor-Leste e o seu país vizinho que no entretanto explora nesse mesmo mar um dos seus maiores recursos naturais, o petróleo. A questão já vem de longe e a 5 de Julho de 2001 a Austrália e Timor assinavam em Díli o acordo de exploração de reservas de gás e de petróleo no mar de Timor, depois de meses de negociações. O então ministro australiano dos Negócios Estrangeiros, Alexander Downer afirmava na ocasião que tinha “chegado um grande momento” e que “o Acordo do Mar de Timor” era um bom resultado para a Austrália e Timor-Leste e que iria “servir para fortalecer e estreitar a amizade” entre os dois países. O tempo veio a mostrar que assim não aconteceu e 15 anos depois mantém-se o impasse entre Timor-Leste e Austrália em relação à exploração do campo de Greater Sunrise com o “Tratado sobre Certos Arranjos Marítimos no Mar de Timor”, que envolve a definição das fronteiras marítimas entre os dois países a merecer duas leituras opostas e a não encontrar resposta concreta à luz do Direito Internacional.

Localizado entre a Indonésia, Timor-Leste e o território do norte da Austrália, o Mar de Timor, no Oceano Índico, possui grandes reservas de hidrocarbonetos. Em 1903, um australiano descobriu a existência de petróleo na Costa do Timor, mas foi somente a partir da década de 1970 que o país começou a sofrer com o assédio da vizinha Austrália pelo controle da exploração do petróleo na região. Nessa década de 70 a Austrália começou o ataque redobrado ao petróleo de Timor e através do seu embaixador da época e do reduzido pessoal diplomático, fez deslocar elementos extraordinários ao serviço da secreta australiana para Timor-Leste assentando base no Hotel Costa Alves, onde era frequente encontrar naquele hotel geólogos e outras especialistas em prospecção e explorações petrolíferas, de nacionalidade australiana, que assediavam a Timor Oil e viajavam pelo país recolhendo informações consideradas úteis.
Em 1971, quando Timor-Leste ainda era colônia portuguesa, Austrália e a Indonésia assinaram um documento delimitando a fronteira marítima dos dois países. A decisão de Portugal de não participar das negociações para a definição das fronteiras marítimas entre os três países fez com que uma região do Mar de Timor permanecesse com as fronteiras indefinidas, dando origem ao chamado Timor Gap. Após a independência de Timor-Leste com relação a Portugal e a sucessiva invasão dos indonésios ao país, em 1975, o governo de Jacarta aceitou manter as fronteiras estabelecidas anteriormente com a Austrália em troca do reconhecimento da soberania do país sobre o território timorense, muito contestada internacionalmente.
No final da década de 80, a Austrália e a Indonésia assinaram um novo tratado através do qual estabeleceram os critérios para a divisão dos recursos encontrados na região, o “Timor Gap Treaty” (TGT). A Austrália beneficiou-se do tratado até o fim da dominação indonésia sobre o território leste-timorense. Em 2001, a Autoridade Transitória da ONU no Timor-leste declarou a ilegalidade do TGT, mas Austrália conseguiu através da assinatura de um memorando com os responsáveis da missão das Nações Unidas no país, manter a exploração de petróleo na região.
Com o estabelecimento do novo governo de Timor-Leste independente iniciou-se uma longa rodada de conversas com a Austrália para determinar a partilha dos dividendos provenientes da exploração de petróleo no Mar do Timor. Ao final de 15 longos meses de negociações, foi firmado o “Timor Sea Treaty” (TST) que criou a Área Conjunta de Desenvolvimento Petrolífero (ACDP): o documento estabeleceu que Timor-Leste receberia 90% dos resultados da exploração e a Austrália apenas 10%. A região foi dividida em três zonas de exploração: a Zona C na qual a soberania territorial de Timor-Leste é inquestionável; a Zona B pertencente à Austrália; e a Zona A, que devido as discordâncias com relação aos critérios utilizados para o estabelecimento da fronteira marítima entre os dois países, foi designada como “Zona de Exploração Petrolífera Conjunta”. Esta é atualmente a principal zona de exploração, onde está localizado o poço Bayu Undan, no qual haveria, segundo as estimativas dos especialistas, 1,05 bilhões de barris de petróleo.
As principais disputas entre os dois países atualmente giram, entretanto, em torno de outro poço: o Greater Sunrise (o campo de Greater Sunrise está situado no Mar do Timor, a 170 Km de Timor-Leste e a 450 Km da cidade de Darwin). De acordo com as estimativas, o GS possuiria mais do que o dobro das reservas de óleo existentes no Bayu Undan. Embora o poço esteja apenas parcialmente dentro da zona de exploração conjunta, os dois países estabeleceram um acordo, o Tratado sobre Certos Arranjos Marítimos no Mar de Timor (CMATS, sigla em inglês), em 2006, segundo o qual os rendimentos advindos da exploração do campo seriam divididos igualmente. O acordo do GS determina ainda que a questão da delimitação das fronteiras entre as duas nações será discutida ao fim de 50 anos de exploração do campo.
A exploração do campo, no entanto, esbarra em um impasse: as duas nações e a concessionária responsável pelo campo, aWoodside Petroleum Co. (formada pela Royal Dutch/Shell e ConocoPhilips e Osaka Gas), não conseguiram entrar em acordo a respeito do local da construção do gasoduto necessário para iniciar a extração de petróleo no Greater Sunrise. Timor-Leste defende a construção de um gasoduto na Costa Sul do país, enquanto a Woodside propôs o emprego de uma estação flutuante no lugar de um pipeline – como utilizado entre o poço de Bayu Undan e a cidade australiana de Darwin. As negociações para definir como seria a exploração do campo se iniciaram em 2008 e o acordo de exploração conjunta do Greater Sunrise expirou em Fevereiro de 2013, sem que se conseguisse chegar a uma negociação conclusiva.

Timor gap

O problema, no entanto, ultrapassou as divergências entre os dois países sobre o modo de exploração do campo Greater Sunrise. O governo leste-timorense, em abril de 2013, enviou uma carta à Austrália invalidando o acordo anteriormente firmado. Segundo o governo de Timor-Leste, o governo de Camberra teria feito espionagem durante as negociações. A acusação seria de que os australianos possuíam ilegalmente informações confidenciais, obtidas por meio de gravações ilícitas.
No livro “Shakedown” de Paul Cleary sobre os recursos petrolíferos do Mar de Timor e respectivas negociações refere a imensa intimidação exercida pela Austrália nas negociações, acusando o chefe da diplomacia australiano, Alexander Downer, de lançar à mesa de negociações que a Austrália é “um país rico que pode adiar esta questão por 30, 40 ou 50 anos”, ameaçando “cortar a Timor-Leste os recursos económicos vitais para interromper o desenvolvimento do Mar de Timor, a menos que Timor-Leste assinasse a partilha de 80 por cento dos seus direitos no maior campo petrolífero da área, Greater Sunrise”.
Importa relembrar que as NU em 1999 deram a primazia da missão INTERFET à Austrália com uma razão estratégica: geograficamente, o território de Timor-Leste é uma área de influência australiana. A relação do Timor Oriental com a Austrália, inclusive, remete a episódios históricos mais antigos: durante a Segunda Guerra Mundial, por exemplo, a Austrália cogitou, e chegou mesmo a ocupar o Timor-Leste, alegando a necessidade de conter os inimigos alemães e japoneses. Em outros momentos, inclusive nos anteriores ao processo de descolonização de Timor-Leste, a Austrália tentara exercer sua influência sobre o território, a despeito da soberania portuguesa. De modo semelhante, no período da ocupação da Indonésia, a Austrália – juntamente com Estados Unidos e Reino Unido – se manifestou favorável à invasão, desconsiderando a luta pela a independência da população de Timor-Leste.
Mais tarde, no processo de reconstrução conduzido pela UNTAET em que houve um momento de forte retomada da influência da comunidade lusófona em Timor-Leste, com a atuação de diplomatas e governos de Brasil e Portugal, a Austrália procurou participar ativamente no período de transição. Alguns relatos, inclusive, alegam que as iniciativas de reformulação do sistema educacional de Timor-Leste, nas quais o governo brasileiro esteve significativamente envolvido, sofreram pressão, por parte do governo australiano, para que o inglês fosse adotado como língua oficial do país ao lado do tétum. No entanto, a língua portuguesa, foi escolhida pelas autoridades do país como língua oficial embora os Australianos ainda não tenham desistido desse desígnio como facilmente se constata pela pressão diplomática e educacional que vão exercendo no país, seu vizinho.
O tema do petróleo é determinante na relação entre os dois países. Embora a Austrália também procure estreitar as relações com o Timor-Leste por meio de políticas de cooperação. Na mesma semana em que circulavam as notícias sobre o debate em torno do gasoduto de Greater Sunrise, o governo australiano anunciava a doação de cerca de 70,4 milhões de euros para o desenvolvimento de Timor-Leste, nas áreas de educação e saúde. Este montante, por sua vez, faz parte de um programa estratégico do governo australiano para ajudar Timor-Leste a alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, conjunto de metas estabelecidas pela ONU para serem atingidas até 2015. Segundo o documento do governo australiano, o objetivo é assegurar apoio ao país frágil no campo político-institucional e extremamente dependente economicamente do petróleo. Para tanto, a cooperação tem por objetivo melhorias na prestação de serviços básicos em saúde e educação, aumento de empregos, segurança e reformas para a transparência e integridade do governo. Na prática, este apoio traduz-se em umas quantas assessorias estratégicas em áreas chave da governação timorense tendo em vista manter e arrastar no tempo o actual status quo. Em termos da iniciativa privada australiana apesar da proximidade geográfica também não é significativa.
A esperança e pressão de Timor-Leste para estabelecer novos termos ao acordo, faz aumentar a tensão sendo que em 2002, pouco antes da independência leste-timorense, os australianos se retiraram da jurisdição do Tribunal Internacional para as fronteiras marítimas, ação que foi considerada de má-fé pelo governo do Timor-Leste à época e que em face da postura actual da Austrália de ignorar a pressão de Timor-Leste que presentemente até já se faz sentir nas ruas pode vir a arrastar-se por mais uns anos. O vizinho indonésio tem interesse em ficar indiferente a este braço de ferro diplomático porquanto actualmente goza de boa relação e mantém com Timor-Leste um enorme interesse económico que não pretende certamente perturbar com a tomada de posições na matéria. Se no passado a Indonésia tinha custos com a ocupação de Timor-Leste agora nos contratos que vai firmando no país vizinho só tem proveitos e como tal, em equipa que ganha não se mexe. Timor-Leste consciente que a actual dependência do petróleo não lhe oferece a tranquilidade orçamental futura nem a sustentabilidade económica do país quer começar a mudar o paradigma, mas só o poderá fazer se aumentar o rendimento dos seus recursos naturais e para isso precisa de ver redefinida internacionalmente a sua fronteira marítima que lhe cabe por direito. Indiferente a esta necessidade apesar do tributo de amizade e reconhecimento que Timor-Leste lhe dedica como país vizinho a Austrália vai arrastando no tempo a discussão ao mesmo tempo que continua a explorar os recursos naturais propriedade dos timorenses. Lá diz o ditado, com amigos assim…

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