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Como não sai Passos Coelho, saio eu do PSD

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Tomei a decisão de me filiar no Partido Social Democrata no dia 11 de Outubro de 1991. Ao longo de 15 anos desempenhei funções partidárias ao nível concelhio, distrital e nacional na JSD e no PSD, tendo sido mesmo eleito, em 2002, Militante Honorário em Congresso Nacional da JSD.

Em 2006 tomei a decisão pessoal de deixar a vida partidária activa regressando à condição de militante de base. Mas tudo somado não esqueço que são 25 anos de militância no PSD.

Tenho um profundo orgulho em ser social-democrata. Uma social-democracia que teve a sua génese em Eduard Bernstein, Willy Brandt e Anthony Giddens e seguidores como Helmut Schmidt,  Olof Palme e Francisco Sá Carneiro.

O PPD/PSD foi durante muitos anos um partido do centro que defendia o estado social assente em três pilares basilares, a saúde, a educação e a segurança social. E que estes pilares deveriam ser assegurados pelo Estado.

Esta é a social-democracia em que acredito, que defendo e continuarei a defender para o meu País.

Nos últimos anos lamentavelmente o PPD / PSD afastou-se destes princípios ideológicos que estiveram na génese da fundação do Partido.

Ao longo do consulado de Passos Coelho assistimos a uma deriva neo-liberal. Passamos a assistir à defesa de um regime assistencialista em que o Estado apenas pagaria aos “ coitadinhos dos pobrezinhos“. Esta é para mim uma visão inaceitável e redutora do papel doEstado.

Entendo que o papel do Estado está muito longe de se resumir apenas a responsabilizar-se por aqueles que não conseguem ter acesso aos serviços essenciais condizentes com uma vida humana condigna.

No último programa eleitoral foi manifesta a opção do PSD pela liberdade de escolha do contribuinte, sendo que desta forma o Estado apareceria, em muitas situações, apenas como regulador e fiscalizador.

Uma situação é o Estado poder ser libertado de determinadas funções que podem ser levadas a cabo perfeitamente pelo sector privado, porém, outra completamente diferente é o Estado deixar de garantir serviços com qualidade à generalidade dos portugueses.

A isto acresce que, em 2010 com ascensão de Pedro Passos Coelho à liderança do PSD, ascenderam também a lugares cimeiros do partido dirigentes políticos do tipo “ trepa-trepa “, em que o mérito foi medido em função do número de votos dos “ exércitos “ que comandavam e que valiam exclusivamente para a eleição do presidente do partido. A mediocridade passou a ser premiada. Quanto pior melhor que assim não incomodavam. E esta, paulatinamente, passou a ser regra.

As estruturas partidárias, ao nível local e distrital, passaram a servir apenas para preencher lugares na administração pública com salários chorudos. A actividade política da maioria destas estruturas passou ser praticamente inexistente, resumindo-se quase aos momentos eleitorais internos e externos.

O debate terminou. Passou-se a considerar anormal a existências de listas opositoras. O regime vigente passou a ser o de lista única. O pensamento passou a ser único. Os que pensam de forma diferente passaram a ser excluídos, silenciados e marginalizados. E até se passaram aprovar listas de deputados de “ braço no ar “ ao melhor estilo “ estalinista “como ainda acontece na Venezuela, em Cuba ou na Coreia do Norte.

Nos últimos anos apresentei diversas propostas para contrariar o rumo que o PSD estava a levar. Fechado em si próprio, afastado dos seus militantes, das pessoas e dos novos tempos. Defendi uma modernização do Partido, da sua organização, aberto à sociedade e a uma nova realidade política, social e tecnológica. Um partido mais transparente e mais abrangente.

Ao longo dos últimos meses fiquei com a sensação que o calendário para Passos Coelho parou no dia 4 de Outubro de 2015.

De primeiro-ministro passou a profeta da desgraça. No último ano o PSD entrou em “ estado de coma “, por isso, sempre que acorda está desfasado da actual realidade politica e social.

Eu que até, no passado, apoiei Pedro Passos Coelho é desiludido e com muita tristeza que vejo hoje o PSD, sem liderança, sem estratégia, sem rumo, sem propostas para o país, navegando à espera “ da desgraça alheia “ para que um dia o poder lhe caia novamente nas mãos.

Para este facto concorre também a falta de qualidade de vários dos actuais dirigentes do PSD. Ao que ainda acresce o facto que a moral, a ética e o carácter de alguns ser mesmo muitas vezes questionada publicamente.

Não consegui perceber como, poucos meses depois da saída do governo, Passos Coelho veio defender publicamente a ida de Maria Luis Albuquerque para a Arrow Global. Também não entendi quando veio fazer a defesa pública de Durão Barroso quando assumiu as funções de chairman do Goldman Sachs. Incompreensível foi também a posição do líder parlamentar do PSD, Luís Montenegro, quando, na semana passada, veio fazer a defesa de Durão Barroso contra a decisão de Jean Claude Juncker passar a tratar o ex-presidente da Comissão Europeia como um “ lobista “.

Estranho o PSD usar a mesma linguagem do Bloco de Esquerda para falar de Juncker. Com uma pequena grande diferença. Nos últimos dois anos, quando o BE zurzia no Presidente da Comissão Europeia, o PSD defendia-o. E foi também a manifesta falta de coerência, nos últimos tempos, que me foi afastando de Passos Coelho e do PSD.

Nos últimos anos bati-me, como é público, pela defesa da transparência, pela separação entre a política e os negócios e pela moralização da vida política e pública.

Mas parece-me definitivamente que para esta gente que dirige o PSD é tudo normal, misturar política com negócios e agora até com “ mexericos “ da vida íntima das pessoas.

Na passada sexta-feira foi anunciado que Pedro Passos Coelho iria apresentar o livro de José António Saraiva intitulado “ O LIVRO PROIBIDO: Eu e os políticos: o que não pude (ou não quis) escrever até hoje “. Confesso que não acreditei, mas entretanto confirmei infelizmente que era verdade.

Lamento profundamente que o ex-director do “ Expresso “ dedique o seu tempo a divulgar conversas privadas, servidas acompanhadas dos mais rasteiros mexericos, sobre o que de mais íntimo há na vida das pessoas, muitas que não conheço, mas amigo de algumas.

Independentemente de tudo isto não se fazer ao pior dos inimigos, o que me choca mais são as revelações íntimas que José António Saraiva faz, com um nítido à vontade, relativamente a pessoas que infelizmente já não estão entre nós. Apesar de deplorável e nojento entendo que isto fica com o senhor arquitecto. Porém, outra coisa bem diferente é ver Pedro Passos Coelho, o Presidente do PSD, o meu Partido há mais de 25 anos, “ patrocinar “ esta pouca vergonha.

Há algum tempo que ponderava desfiliar-me do PSD porque há muito que não me revejo em muitas das práticas de alguns dos seus mais destacados dirigentes, na sua forma de fazer política, mas sobretudo, nos últimos tempos, da negação do ideário social-democrata que esteve na génese do PPD/PSD.

Confesso que foi este fim de semana, após ter visto a confirmação pela voz do próprio Passos Coelho que iria alimentar este “ circo “ da politica portuguesa “ patrocinando “ com a sua apresentação, talvez o mais abjecto dos livros da história da democracia portuguesa, a gota de água que me levou a tomar a decisão de pedir, hoje, a minha desfiliação do PSD.

Não foi uma decisão fácil, mas há momentos em que temos que ser claros e dizer não. Há limites para tudo. Uma coisa é a luta política, por vezes dura, a defesa de pontos de vista muitas vezes antagónicos de forma convicta, o estar sujeito quotidianamente ao escrutínio público, outra coisa é “ abençoar “ a devassa da vida privada e íntima das pessoas.

EU DIGO NÃO HOJE, AMANHÃ E SEMPRE ao facto de o líder do meu Partido “ patrocinar “ a devassa da vida íntima das pessoas, com a agravante ainda de uns já terem falecido, outros serem companheiros de partido e outros adversários políticos. Este é um livro que viola claramente a privacidade das pessoas citadas. É completamente inadmissível que o Presidente do PSD e ex-Primeiro-Ministro de Portugal faça a apresentação deste inqualificável livro que ultrapassa todos os limites da razoabilidade. Há princípios e valores com os quais sou intransigente. E o direito à privacidade é algo de inabalável enquanto valor de uma sociedade moderna.

Para mim não existe alternativa. Como não sai Passos Coelho do Partido, saio eu do PSD.

Não sei se é um até sempre, mas é com toda a certeza um adeus enquanto Passos Coelho presidir aos destinos do Partido Social Democrata.

Eu continuarei social-democrata, como sempre, agora como independente, a defender o superior interesse da minha terra e do meu país, continuando a lutar pela separação entre a política e os negócios e pela moralização da vida política e pública.

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